Antigos namorados

Em 1998, tive um namorado protestante, um rapaz metódico, que frequentava a igreja uma vez por semana, conversava com o pastor sobre temas da atualidade, e pode dizer-se que era um bom companheiro. Telefonava-me todos os dias à noite, não me propunha indecências, mesmo quando me fornicava aos sábados à tarde, num primeiro andar, esquerdo, em Vila Franca de Xira, onde morava. Digo fornicava, porque enquanto ele o fazia eu tinha tempo para observar o teto da assoalhada, contar o número de pendentes do cadeiro e observar o design do mesmo, até que a função acabava e podia finalmente vestir-me, enquanto ele recuperava. Era muito bom rapaz, mas tive de deixar de lhe atender os telefonemas.

Nos meses seguintes apareceu-me um segundo candidato, desta feita muito católico. Chamemos-lhe um amante, porque tinha namorada desde o tempo dos escuteiros, iam casar, tinham a vida toda planeada. Eu tinha sido um acidente, uma tentação.
A namorada dava catequese aos sábados e ajudava à missa de domingo, e ele celebrava a eucaristia, diariamente, logo às sete, e comungava, antes de seguir para o emprego com a alma lavada.
Aparecia-me em casa de vez em quando, sem hora marcada, sem telefonemas, soterrado na culpa do seu incontrolável desejo. Sentia-o inominavelmente transtornado pela força invisível que o guiava até à minha porta, e não lhe dizia nada. Sem uma palavra, arrastava-me para a cama, encostava-me à parede, levantava-me a saia e a camisola e fodia-me vestida sem dar ocasião a que me alindasse ou criasse ambiente. Em momentos precisos, escutava-o murmurar um perdoai-me, Senhor, e pecava com sofreguidão, até já não aguentar, por atos e omissões, por sua culpa, sua grande culpa, com uma tal atenção aos pormenores, que nos censos que se seguiram resolvi declarar-me católica praticante.
Desde então, não quero cá ateus nem agnósticos nem hare krishna.

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