Cada sentimento tem a sua fome própria

Mesmo 60 anos passados sobre o campo de trabalho, o acto de comer é para mim fonte de grande excitação. Como com todos os poros.

[...] Os outros não conhecem a felicidade da boca, são sociáveis e corteses a comer. A mim, contudo, precisamente quando como, passa-me tal gota de felicidade a mais pela cabeça, que a qualquer momento, assim como aqui estamos sentados, a todos pode apanhar e a gente é obrigada a largar na cabeça o ninho, no fôlego o baloiço, no peito a bomba, na barriga a sala de espera.

Gosto tanto de comer que não quero morrer, porque depois nunca mais como. Há 60 anos que sei que o meu regresso a casa não conseguiu domesticar a felicidade do campo. Ainda hoje continua a morder com a sua fome o âmago de qualquer outro sentimento. No âmago de mim reina o vazio.
Desde o meu regresso a casa, cada sentimento tem cada dia a sua fome própria, reclamando por satisfação, a que não dou resposta. A mim ninguém mais se pode agarrar. Sou instruído pela fome e, por humildade, inacessível, não por orgulho.

Herta Muller, Tudo o que Eu Tenho Trago Comigo.

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