Da natureza humana dos monstros




Lars Von Trier foi considerado persona non grata pela direção do Festival de Cannes, por ter afirmado, quarta-feira passada, em conferência de imprensa, após a projeção de Melancholia, que "sente uma certa simpatia pelo antigo líder do partido nacionalista alemão, Adolf Hitler."
Conforme pude ler na SIC on line, Lars von Trier declarou o seguinte: "Eu sei que ele fez coisas muito más, mas posso também imaginá-lo no bunker no seu final. (...) Que fique claro que eu não sou a favor da segunda Guerra Mundial, não estou contra os judeus", afirmou. E ainda acrescentou: "Estou com os judeus, com certeza, mas não muito, porque Israel aborrece-me verdadeiramente".

Desdramatizemos um pouco, se for possível, sem revisionismos. Se considero que Hitler, embora símbolo de horror, sofreu, como qualquer outro humano, o empolgamento da vitória e o desânimo da derrota? Considero. Alguém, desperto, pode ignorar que Hitler foi, na proximidade da morte, igual a qualquer um de nós, com as mesmas angústias, medos? Se ignorou e esqueceu a sua fragilidade humana, se se julgou acima dos mortais e os desdenhou profunda e impiedosamente - e sabemos que sim - terá regressado, no final, à sua condição humana: abandonaram-me; estou só; perdi; é o fim. O demónio que representou, retomou o homem, nas horas finais. Pelo que tenho podido testemunhar, vivendo, estudando, lendo, ao longo da minha vida consciente, isto tem certa lógica. Não a tem para quem organiza festivais de arte e pensa? A justiça humana precisa que os homens-monstro morram mais monstros e menos homens? Não somos só gente, e nada mais, na hora da nossa morte?

Assim que percebeu que as suas afirmações tinham causado polémica, Lars Von Trier apressou-se a explicar que "não é antissemita, racista ou nazi." E eu compreendo-o, devo dizer. O homem deve ter pensado o mesmo que eu penso tantas vezes, na rua, e que é, essencialmente, "para quê uma pessoa chatear-se?!".

Somos todos muito livres de expressar as nossas ideias na Europa democrática, mas livres dentro dos limites, desde que não se toque no que, podendo pensar-se, transformar-se em arte, aludidamente, não deve dizer-se.
Não creio que as afirmações de Lars Von Trier seja passíveis de equívoco, a menos que quem as ouve não compreenda ou não queira compreender o que é dito.
A maior hipocrisia, a meu ver, é que os responsáveis "sublinharam que o evento é um espaço "excecional" para os artistas de todo o mundo apresentarem as suas obras e "defenderem a liberdade de expressão e de criação".
Estou a ver.

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