O amor não anda ao nosso lado

Juntamo-nos para não ficar sós. Para que olhem por nós, nos tragam um chá ou um cobertor. Sabe bem haver quem se preocupe connosco, nos toque no braço, nos cabelos, numa mão.
Juntamo-nos porque os outros o fazem há milhares de anos como solução final. É o que se espera que façamos. Juntamo-nos e ficamos arrumados, nivelados.
Juntamo-nos para que a vida se justifique e legitime, ao assemelhar-se a todas as outras. É assim que se faz. É assim. Não vivemos sós.
Juntamo-nos porque acreditamos amar-nos. Descobrimos depois que, estando juntos, estamos juntos. Temos filhos. Habituamo-nos. Não estamos presos, mas de quem é este livro, e este jarrão? De quem é esta casa, este filho? O acordar de manhã, os gestos habituais? Fazemo-los porque estamos juntos ou porque nos pertencem? O que é meu e o que é teu?
Seria bom estar só, uns tempos, sem filhos, sem contas para pagar, sem obrigações; isso seria a vida, mas urgente, agora, é chegar ao Verão, liquidar os atrasados com o subsídio de férias. Comprar roupas para os miúdos. Substituir o frigorífico que não congela há mais de dois meses. Descansar por 15 dias.
Amamos aquele com o qual estamos juntos? Que pergunta mais estúpida! Estamos juntos, não estamos? Chega de pormenores. O que interessa o resto? Talvez tenha amado Helena muito mais do que Ana, mas o que importa isso agora? A minha mãe casou para se amparar, o tio Alberto amou toda a vida a cunhada - e nem no leito de morte lho revelou – e a minha tia negou-se ao rapaz por quem se apaixonou, por estar prometida ao tio Alberto. Todos amaram por demais, a vida inteira. Não terem acordado ao lado do objeto amado, não terem iniciado os gestos ou as palavras do amor não amputou o sentimento. Amaram. O amor andou à solta fechado nos seus peitos. Existiu, pesado, imanente. Adormeceu-os. Despertou-os. Fê-los sair de casa. Voltar a casa. Chorar. Rir. O resto foi apenas a vida. Convém distinguir.
O amor existe, não vamos negá-lo, e caminha todos os nossos passos. Se Deus for nosso amigo pode andar ao nosso lado, mas quem pode contá-lo como certo?

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