Chão

O arroz estava pronto, mas a escaldar, por isso deitei-me com ela no chão da cozinha, esperando que arrefecesse.

Não dissemos nada, porque ambas sabíamos que era apenas um momento de espera. O chão estava fresco e ela tinha calor. Eu gosto do chão.

Estivemos a beijar-nos, a pôr as patas uma sobre a outra; rodávamos e a outra rodava, e encaixávamo-nos, enrolávamo-nos. Eu punha-me de barriga para cima e ela cheirava-me o umbigo. Ela punha-se de barriga para cima e eu beijava-lhe a cicatriz da esterilização. Eu enfiava a cabeça no seu pescoço, ficando com as suas patas nos ombros e ela metia-me o focinho no sovaco. Não sei quem era cadela nem quem era mulher. Eu não fui mãe nem dona. Ela não foi dona nem animal possuído. Não tivemos espécie. Foi uma fusão que é o nada, e parecia que já sabíamos, por um saber diferente, que o nada é tudo.

Mensagens populares