Isabela defende Sócrates, finalmente


Sócrates vai estudar Filosofia para Paris. Vamos falar disto a sério, agora que o senhor já não é primeiro-ministro, embora mantenha em cena o seu espetáculo privado de bonifrates, e não esteja realmente afastado do jogo político.
Esclareço que encarar Sócrates apenas como um homem, e já não como anticristo, não é um exercício fácil. Sócrates nunca será para mim apenas um homem, como o meu vizinho de cima é um homem, e igualmente bem giro, por acaso.
A título meramente ilustrativo do meu amor pelo ex-primeiro, e para aliviar o caráter pesado que esta crónica possa aparentar, permitam-me descrever um passatempo estúpido, obsessivo-compulsivo, que eu e um amigo tínhamos, e que era da sua total iniciativa. Ele perguntava-me, enquanto eu descascava batatas e cenouras para a sopa, se estivesses perdida no mundo só com o Sócrates e a Maria de Lurdes Rodrigues e sentisses uma necessidade urgente de sexo quem é que escolherias? Eu respondia-lhe, jogo sujo, eu nunca te apresento duas opções impossíveis, dou-te sempre uma melhor e outra pior
Não, vá lá, retorquia o meu amigo. Tens de escolher.
Não posso. É impossível. Essa situação nunca poderia acontecer. Para além de que eu não tenho necessidades urgentes de sexo, sou uma mulher.
Não, mas neste caso tinhas, vá, qual deles escolherias?
E eu, desesperada, perguntava-lhe, agora a sério, não podes substituir um deles por um camionista mesmo muito porco, feio e mau?
Não me lembro como é que esta história terminou, mas devo dizer que o meu amigo consegue ser bastante insistente e não é impossível que eu tenha sido obrigada a escolher Maria de Lurdes Rodrigues, por ser a mandada e não a mandante. Isto tudo no auge das manifestações dos professores. Foi duro. O jogo.
Sócrates vai estudar Filosofia para Paris e é apenas um homem, não o anticristo. Imparcialidade, Isabela, vá, coragem: se estivesse no seu lugar faria exatamente o mesmo. Afastamento geográfico. Outros ares. Estudo, porque o estudo nos concentra num mundo alheio às preocupações quotidianas. Por outro lado, sendo Sócrates um homem inteligente, e tendo sido alvo de ataques tão violentos, que resolveu tão bem, parece-me lógico que se interesse pelos fenómenos do pensamento e ação humanos. Caramba, eu vi as entrevistas que deu à Judite de Sousa sobre a questão do Diploma de Domingo, sobre o caso Freeport… Um mestre em retórica. Conseguiu deixar-me sempre a boca amarga, porque aquele discurso tinha poucas pontas soltas - estava muito bem preparado. Fiquei sempre com a ideia que ele se sentara com alguém e lhe dissera, “faz-me as perguntas mais difíceis e embaraçosas que te possam ocorrer e a seguir vamos estudar como responder-lhes”. Eu tê-lo-ia feito.
A opção Filosofia não merece questionamento. Acho que todos compreendemos que a formação de Sócrates em engenharia nunca foi a sua verdadeira vocação. Cursou algo que lhe terá parecido útil, mas que nunca teve grande intenção de usar, até porque sempre esteve envolvido na política, e só se as coisas corressem mal por esse lado... A forma como o diploma foi conseguido, fax para cá e para lá, adaptação curricular, jeitinho aqui e ali, prova-o. Sócrates esteve-se nas tintas para a engenharia, mas não para uma licenciatura, que dá jeito, sobretudo quando se tem um cargo de relevo num país ainda ligeiramente terceiro-mundista. Se não lhe tivessem pegado pelo Diploma de Domingo ter-lhe-iam pegado porque “o gajo nem sequer licenciado é.” Portanto, seria preso por ter o cão e por não o ter.
Sócrates estará neste momento interessado em descansar e pensar. Uma exposição pública como a que teve, mesmo rodeado de proteção, paga um preço elevado. Ainda há uns meses uma médica do SAP, a que recorri de urgência, porque estava sem o antidepressivo da ordem, me dizia, “mas como é que a senhora acha que esta gente da política se aguenta? Speed de manhã, downer à noite e antidepressivo todos os dias!”
Hoje, o jornal i levanta uma questão relacionada com os rendimentos de Sócrates, que tal como Dias Loureiro não tem bens em seu nome, nem poupanças, nada de nada. Como irá Sócrates sobreviver em Paris sem rendimentos? Tocará guitarra no metro, arrumará carros, lavará vidros de automóveis nos semáforos, distribuirá a revista Cais? Eu tenho a resposta. Sócrates não tem rendimentos, porque, sendo generoso, ofereceu tudo o que ganhou à família: à mãe, aos tios e primos, aos amigos íntimos. Eu faço o mesmo: gasto cada tostãozinho, e há meses em que tenho de esperar pelo seguinte com grande ansiedade. Parece-me bastante natural que agora a família e os amigos, que terão sido auxiliados, retribuam a ajuda. A pouco e pouco cairá uma fatia daqui, outra dali, e Sócrates não ficará com dívidas em Paris, queira Deus. Os amigos da Covilhã e o lobby Trás-os-Montes juntar-se-ão para fazer uma vaquinha e liquidar a renda do apartamento. Tudo se resolverá, porque Sócrates não está só, nunca esteve só, nunca estará, e um dia, podem tatuá-lo no pulso direito, voltará com o canudo da sua pós-graduação e a manga cheia de ideias.

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