Curso de escrita criativa




Uma rara honestidade e autenticidade marcam o discurso de David Vann, autor de A Ilha de Sukkwan, em entrevista a José Mário Silva, no suplemento Atual, do último Expresso.

Não estava completamente convencida a ler o recomendadíssimo livro, mas eis como uma breve entrevista de duas páginas faz a diferença O que me decidiu? A forma como o autor, sem tiques de estrela, assume uma escrita partindo dos fantasmas pessoais, nomeadamente a relação de amor-ódio com o pai, perigosamente raspando a memória objetiva, a capacidade para falar sobre o medo, a dor e a culpa como fatores que despoletaram um processo de criação narrativo, e a desmistificação do ato de escrita.

A certa altura da entrevista, Vann revela que, aos 19 anos, não "sabia muito bem o que era isso de escrever um conto". Recordo que, aos 21, não me sentia capaz de escrever história com mais de 20 páginas, abusando do tamanho das margens e espaço entre linhas; hoje, verdadeiramente, continuo não percebendo como é afinal essa coisa de se escrever com as tripas nos braços. Não faço a menor ideia. Vou usufruindo da extrema liberdade que a arte concede, experimentando, arriscando, lendo os outros com atenção e tentando compreender como resolvem os nós narrativos, mas, sobretudo, deixando-me levar pelo faro, pela intuição, por sentimentos em estado muito puro. Sentindo-me verde, com tudo por aprender, noto, porém, a tendência, como David Vann, para não gostar de trabalhar a escrita. Corrijo gralhas, vírgulas, completo uma ou outra ideia, corto palavreado, clarifico expressões ou ideias equívocas, mas agrada-me que o texto fique o mais em bruto possível. Existindo regras que até conheço, a arte que me interessa conceber vive na contradição entre cumpri-las e passar-lhes ao lado, num mesmo gesto. A escrita criativa não existe - apenas uma infindável lista de livros de leitura obrigatória. Cá para mim, não se fazem escritores. Pode é dar-se o caso de haver muito bons leitores, cujo percurso de vida deu certa ajudinha, o que não desejo a ninguém.




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