Os milagres da minha mãe

Hora do almoço.
No carro, a caminho da Costa da Caparica.

Está um tempo abafado. Parece África, não é, mãe?!
Parece. Acho que o Algarve até está cheio de tubarões.
Sempre houve tubarões no Algarve. Eu vi-os muitas vezes, em Sagres, no cais, sendo tirados das traineiras.
Mas estes agora são dos grandes. Dois metros. Andam por lá a ver o que caçam, e cheirando-lhes a carne de gente não se vão embora. Lá em Moçambique era sempre que podiam. Atacavam e comiam braços e pernas, e às vezes...
Oh, mãe, não havia tubarões em Lourenço Marques!
Não que não havia. Perguntasses ao teu pai. Na Macaneta era vê-los!
Só se fosse na Macaneta. Já nem me lembro bem onde é que isso era. Ia-se de batelão?
Sei lá.
Já não te lembras de nada.
Lembro. Lembro. Olha, lá em baixo, no bazar, fartava-me de comprar tubarão para fazer filetes. Parecia cação, com aquela pele lisa, gordurosa. Era baratíssimo. Só as pretas é que o compravam para fazer com tomate, mas uma vez vi umas senhoras de volta daquelas bancas, e elas lá me explicaram que o punham de molho em sumo de limão e hortelã, para lhe tirar o gosto, que aquilo tinha um certo gosto... Segui os conselhos, e era bem bom. O teu pai comeu muito tubarão, pensando que era pescada. Ganhava mal, no início, e dava-me pouco dinheiro para governar a casa, mas eu sabia fazer os meus milagres.

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