A Confraria da Minhoca





Eu e alguns amigos temos um segredo que guardamos há décadas, porque a sociedade não está preparada para aceitar certas brincadeiras, mas chegou a altura de o revelar, a fim de evitar confusões: sim, é verdade, um grupo alargado de intelectuais portugueses, todos pela minha idade, têm uma minhoca tatuada no dedo médio da mão direita.

Nos anos 80, formamos um grupo para andar à minhoca, ao quilo, no Canadá. Ganhava-se dinheiro para os luxos, e era divertido, todos juntos na paródia, no escurinho da noite, metidos em lama luxuriosa até às virilhas. Éramos jovens e procurávamos sensações novas e o supremo estatuto da diferença, acima do comum mortal. Ninguém poderia saber que nos divertíamos com as minhocas, mas desde que nunca viesse a saber-se.

A tatuagem no dedo médio direito identificáva-nos enquanto membros da Confraria da Minhoca. Quem queria trabalhar com uma rapariga tatuava uma minhoca fêmea, quem preferia um rapaz, a minhoca macho, e quem era "boa boca", a minhoca hermafrodita. Isto servia para nos distinguir de outros grupos que também andavam à minhoca, mas com diferentes objetivos, sobretudo indigentes. Nós estávamos acima dessas insignificâncias. Note-se que alguns de nós chegavam a ser filhos de operários da Lisnave. Que nos interessava o dinheiro?! Não éramos emigrantezinhos: tínhamos orgulho na função, e métodos próprios. Apanhávamos minhoca com as mãos (manual), a boca (oral), com os dedos dos pés (podológica) e chegávamos a rebolar-nos na lama para trazer um ror delas pegadas ao tronco (total). Usávamos avental, como qualquer confraria, e quando combinávamos reunir-nos, cada indivíduo, para se fazer identificar, como senha, esticava o médio da mão direita e exibia a minhoca tatuada, ou seja, a sua pertença. Foram tempos bem passados.

Vemo-nos agora sujeitos a vil chantagem: um minhoqueiro do grupo ameaça contar tudo sobre esses tempos se a minhoqueira, com a qual acabou por casar, não lhe deixar a casa, o carro e as jóias, pelo que combinámos esclarecer este assunto antes que passe para os jornais, para não desviar as atenções do colapso financeiro internacional, o qual queremos seguir sem distrações.

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