Como manter a esperança?


A minha mãe nasceu em 1924 e encontra-se a poucos dias de completar 88 anos. Quando penso na sua vida, reparo que atravessou três quartos do século XX, a ditadura do Estado Novo, a II Guerra Mundial, a emigração dos portugueses para o estrangeiro e colónias e o seu regresso, no caso das últimas. Devo dizer que embora a veja encarar o atual período da nossa história com cuidados, não a vejo assustada ou desanimada. Não lhe pergunto nada, porque percebo que o seu presente não é mais grave ou mais duro que o seu passado, e nunca passou fome, nunca, diz-me - uma assunção de vitória.
A descolonização foi uma época duríssima para todos os que vieram de África, e essa é uma história diversa, que continua por fazer. Perder tudo, as coisas e as referências, atira-nos para um desamparo exilado, um nada inseguro. Porém, na altura em que vivi esta situação, entre os 11 e os 17 anos, e atiro a segunda idade ao acaso, uma vez que não sei quando deixei de ser exilada - penso mesmo que possa nunca ter deixado de o ser - havia em mim esperança. A vida era um perigo, os dias corriam em sobressalto, não sabia onde estaria amanhã nem com quem nem como, mas era temporário. Tinha a certeza absoluta que um dia teria a minha casinha, os meus móveis e gavetas, o meu mundo, outra vez. Questão de meia dúzia de anos, paciência, e, acima de tudo, resistência. Tinha razão, mas falhou-me uma previsão: imaginei que a paz seria eterna. Que não voltaria a sentir-me tão perdida como no dia de hoje. Não me podia ocorrer que as crises são cíclicas, mesmo que o estudasse em história. A história era o que tinha acontecido lá para trás. As guerras com os mouros, com os castelhanos, as intrigas cortesãs, os favorecimentos, tudo acabado, histórias. Eu estava na vida para furar por dentro dela, e era exatamente isso que ia fazer: rasgá-la como espada bem afiada. Acreditava nas ideias, nas pessoas, na justiça humana e divina, na moral, numa ética. E neste enunciado reside a grande diferença: hoje resta-me a justiça divina; a crença no resto foi-se. Perdi a inocência e, sem inocência, como manter a esperança?

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