Louca bem comportada

Passei a tarde com o senhor Simões. Solicitou-me audiência para tentar perceber por que não escrevo no blogue há um mês e perceber como está o próximo livro. Expliquei-lhe que tenho uma vida profissional que consome as energias criativas, que ao fim-de-semana tenho estado ocupada com afazeres caseiros, que aguardo férias, que preciso de realizar uma viagem espiritual, eventualmente um retiro.
- A menina precisa é de se dar. – respondeu. – A menina precisa é de sair, conviver, conhecer o mundo. A menina precisa de se inspirar no contacto com os outros ou não desencalha.
Não respondi, porque, ultimamente, o senhor Simões cansa-me.
- Passa muito tempo no Facebook. O seu problema é esse.
Os moralismos do senhor Simões. A lista de preconceitos própria dos infoexcluídos.
- A menina, se lhe tiram o Facebook, sofre de sindroma de abstinência. Mas que o use para se promover, vá. Use-o bem, por amor de Deus. Continue a publicar no blogue, para o mundo perceber que está no ativo, e meta o linquezinho para o Facebook, como fazem os espertos. seja inteligente. Não gaste as suas energias numa rede social fechada onde tem apenas meia dúzia de amigos.
- Quinhentos e tal, senhor Simões.
- Ena, tanto amigo! Aproveite, saia da sua redoma e misture-se com eles, jovem. Deixe de ser a filha única dos papás. Não está farta de se portar bem?! Já pensou na quantidade de experiências que não viveu e que lamenta não ter vivido porque quis portar-se bem a vida inteira?! Se quer escrever deve conhecer o mundo, sair.
- Como é que sabe? Para o que lhe deu hoje, senhor Simões. Nunca o vi tão interessado na minha vida social. Tem de escolher se quer que escreva ou que saia. Ou uma coisa ou outra. Pensei que me censurasse os convívios.
- Engana-se. O que lhe censuro são as más figuras nos convívios. Que fale alte, que se exprima toda como se fosse o Álvaro de Campos. Pense na Lídia Jorge. Tenha-a como exemplo. Pense nas outras grandes figuras que sabem pensar um discurso e mantê-lo inalterável dez, quinze vezes seguidas, e exprima-se com comedimento. Mas, primeiro, escreva. E para escrever, viva. Viva, menina, viva. Observe, sobretudo. Ouça. Peça explicações.
- Bem, como é que faço, deixo de me portar bem ou continuo a ser uma menina que não dá desgostos à mamã? Decida-se.
Ficou pensativo. Passou a mão pela testa, suspirou de cansaço e bebeu um golo de Dona Ermelinda, tinto, 2010.
- Não consegue ser tudo isso junto? Uma louca bem comportada?
- Consigo. O senhor está agora aí sentado e existe na minha vida porque fui louca e muito bem comportada a vida inteira.
- Então ponha isso a render e dê-nos dinheiro a ganhar, menina.

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