História de Facebook

Teve por mim uma grande pancada não correspondida, e na impossibilidade de obter crédito sentimental escrevera-me uma carta na qual revelava que a minha beleza clássica não passava, afinal, de vulgaridade, que eu nada valia, nem ninguém da minha família e arredores.
Como tinha uma caligrafia ilegível, pior que médico, mal lhe percebia as frases, portanto não garanto que tenha sido exatamente isto, exceto a parte em que eu passara de beleza clássica a vulgaridade no espaço/tempo de um não
Tínhamos trabalhado no mesmo jornal, mas perdêramos o contacto a partir do momento em que deixamos de nos encontrar na cafetaria. Há mais de 20 anos que nada sabia dele, e nunca mais pensei no assunto. Obliterou-se da minha memória, que eu, homens, sou de atenções restritas e focadas.
Tudo teria ficado pelo sossego dos deuses se o facebook não me tivesse presenteado com o seu rosto: Manuel da Conceição Seabra e Vilhena, 44 amigos em comum, peça-lhe amizade. Era a cara do rapaz, mais velho, certo, e como!, que o tempo não os tem poupado. A minha curiosidade mórbida pensou em adicioná-lo, e já nem me lembrava do episódio da paixoneta nem da carta vingativa, nada. Adicionei-o e fiquei à espera que anuísse ao meu pedido.
Não me ocorreu que eu mudara de nome. Antigamente dava por Maria José Figueira, mas chamava-me agora Josefa Figueiroa, desde que entrara para os quadros do conceituado Dizível. Como imagem de perfil, no face, tinha a Marilyn deitada, vestindo apenas Channel nº5. Todos me sabiam mitómana, sobretudo da Marilyn.
Manuel da Conceição Seabra e Vilhena, meu ex-colega, não me aceitou como amiga e esqueci o assunto.
Tudo mudou a semana passada. De repente, não só me aceitou, como me enviou mensagem privada. Escrevia, e desta vez percebia-se lindamente, bendito teclado qwert:
"Não costumo aceitar este tipo de pedidos, mas estive a pensar e resolvi aceitar o teu. És muito gira, mas deixo claro que não quero compromissos nem nada para além de sexo, porque gosto é de homens. Mas tudo bem se queres marcar encontros pontualmente: o meu telefone é o 123456789 - tem é de ser num espaço teu, porque o meu companheiro trabalha em casa e não dá."

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