Adília, amo-te

Há uns anos, poucos, encontrava-me sentada no King à espera do horário de um filme de que não me lembro, e vi a Adília Lopes descendo as escadas provenientes da sala onde acabara de ser projetado o Autografia do Cesariny. Tropeçou e caiu. Ou caí eu. Uma de nós veio por ali ao trambolhões, naquele dia. A minha memória confunde tempos, mas tenho a certeza que caí no mesmo lugar, nesse dia ou noutro qualquer.
Levantei-me da mesa, fui ter com ela, ainda atarantada pelo filme e pela queda, e disse-lhe que a amava, e foi assim mesmo, que a amava há muitos anos, que lhe conhecia a obra toda, e que se calhar ia fazer uma tese de mestrado sobre a sua poesia, ainda não era certo, mas se calhar ia, e mesmo que não fosse, amava-a, e disso não havia dúvida. Sentei-a na minha mesa e "obriguei-a" a falar comigo. Lembro-me pouco do que foi dito, mas recordo a generosidade com que me escutou. Não era só isso: não teve escapatória. Eu tinha-a apanhado sem defesa, não que tenha muitas, porque a Adília, como eu e vós, é uma mulher que limpa as lentes dos óculos e se penteia aos repelões. Perguntei-lhe pelo filme. Respondeu que ainda não conseguia falar bem sobre o assunto, acho eu. Respondeu que se espantava que fizessem documentários sobre poetas. Eu ri-me, porque para mim deviam fazer-se muitos, mas eu sou romântica e o que penso não tem peso. Estava hesitante, mas falava. Não me conhecia, mas falava. Aceitou-me. Depois disse que tinha vindo com alguém. Alguém a esperava. Uma mulher com um nome conhecido, mas que não recordo. E foi. Trocámos moradas. Prometi que lhe ia enviar um ensaio que escrevera sobre uma das sua obras, e que intitulara "Fode ou morre". Isto era o que eu pensava na altura, e ainda hoje: a mensagem de todos os dias: "fode ou morre", e a Adília exprime-o eximiamente. Acabei por nunca lhe enviar nada e perdi a morada. A Adília foi-se embora. Foi só isto. Continuo a amá-la todos os dias.

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