A baleia

A baleia, baleia, baleia, baleia.
No colégio, a nossa sala é a última do corredor dos mais novos. Somos a única turma de raparigas. Doze miúdas em humanidades. Os miúdos do ciclo juntam-se para nos ver passar.
Cheguei mais tarde. O professor de Introdução ao Direito recebeu-me com um "chegaram os pesos pesados". O homem tem razão. Um barril, barril de banha, banha, por todo o lado crescendo dentro de mim.
Passo com as botas de salto alto, a bata de algodão axadrezado em vermelho, e sobre ela o blusão azul da Melka, de um caqui grosso. Não aquece mas serve-me. Comprei-o num saldo da rua da Prata, tudo a monte, barato, roupa de rapaz, servia-me, xl, grande. Não escolhi cor ou feitio. O que servisse, está bem? Não temos nada que lhe sirva. Não?! O que me sirva. Chega. Tenho de me vestir. Comprei.
Os rapazes do ciclo que cobiçam as raparigas crescidas encostam-se às paredes do corredor para nos ver passar e atirar piropos. De passagem ouço, a baleia azul, a baleia, a baleia. Riem. Lá vai a baleia. Ecoa no meu cérebro até chegar à sala das raparigas. Fujo das vozes. A baleia vai a fugir como pode, devagar na gordura que a tolhe, lá vai a banha ambulante. São só os rapazes do ciclo, os rapazes mais novos. Têm razão. Uma baleia. Tenho um blusão azul da Melka, não me aquece nada, mas esconde-me as mamas enormes, disfarça a barriga. Tenho de esconder o meu corpo porque a baleia é um animal grande.

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