Da arte ao complemento oblíquo




Não gosto de ir muito acompanhada ao cinema, teatro, exposições, concertos, etc. A experiência da arte é, para mim, essencialmente solitária, reflexiva.
Reparo, também, que os poucos que me acompanham, não veem ou escutam o mesmo que eu, tendo lá estado ao mesmo tempo.
A vivência da arte é intrinsecamente pessoal, íntima. O nosso olhar é absolutamente condicionado pelo que vivemos e agora somos. Como dizia Barthes, um texto transforma-se em mil, se para ele existirem mil leitores.
Vem tudo isto a propósito de raramente sair de uma sala de cinema com a mesma abordagem do meu acompanhante, mesmo que tenhamos ambos a convicção de ter estado perante uma obra maior, se for o caso. Interpretamos cenas e diálogos de acordo com visões diversas. Isso é belo e não desvaloriza a obra nem as perceções individuais que dela temos.
Ao longo da minha vida de professora tenho tentado que os meus alunos percebam isto. Interessa-me menos que tenham um conhecimento explícito da língua. O implícito basta-me. Interessa-me que sejam capazes de ver e pensar arte, que a tragam para as suas vidas como um pulmão fora do corpo, através do qual respira tudo o que em nós não é apenas corpo. Nunca quis ser apenas uma professora de Português. Quis ensinar pessoas a viver amorosamente, com a convicção de que uma aprendizagem desse gabarito passa pela literatura e pelas restantes formas de contacto com a arte. 
Muitas vezes, em nome desta convição de que não abdico, tenho sido considerada uma professora à parte, desleixada. Vivo bem com isso. Confesso que me interessa muito pouco que os meus alunos saibam o que é uma oração subordinada não finita participial ou um complemento oblíquo. Eu própria me estou nas tintas para as orações e para os complementos. Quero que compreendam intuitivamente a respiração dos textos que escrevem ou leem e se emocionem com eles. Foi para isto que escolhi ser professora, tendo podido continuar no jornalismo e almejar uma linda carreira a entrevistar morcões, de que abdiquei. Se não posso ser a professora que desejei, não me interessa sê-lo, e faço o que me mandam para receber o salário e sobreviver. Transformo-me, assim, na funcionária cansada que os meus colegas dizem ter mudado de disposição desde o ano passado. Ando menos alegre, menos sorridente. Se calhar foi da operação ao estômago. Talvez da quase menopausa. Sinto afeto pelos meus colegas, que se preocupam honestamente comigo, mas como explicar tudo isto num intervalo de cinco minutos?!
Assumida esta condição, é óbvio que também me estou nas tintas para a avalição do desempenho que terei nos próximos anos. Aquilo que ensino nunca será avaliado, e eu serei fatalmente uma má professora para as estruturas tutelares e seus seguidores, mesmo que ensine sem paixão tudo o que há para saber sobre orações subordinadas relativas adjetivas e adverbiais finitas e não finitas. Avaliem-me, se conseguirem, e expulsem-me a pontapé, assim que puderem. Há sempre alguém disposto a substituir-me e a dobrar a espinha ao complemento oblíquo.

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