Nós

No outro dia, em Itália, perguntavam-me porque me referia eu aos colonos como "nós". Acredito que, tendo eu escrito o Caderno, pareça paradoxal. Mas não. Digo nós porque não posso dizer outra coisa qualquer. Porque existe uma parte larga em mim que ainda é a filha do colono, e nunca a declarei inocente.
Mas este "nós" vai ainda mais longe. África continua a ser o nosso paraíso, a terra de onde nunca saímos totalmente, e onde desejaríamos regressar num tempo já impossível, mas ainda sonhado, idealizado. Não percebemos porque não compreendem eles que nós não somos brancos como quaisquer outros. Nós somos brancos diferentes, que merecem tratamento irmão, porque fomos os brancos deles, tal como eles foram os nossos pretos, e isto, como é que eles não compreendem, é umbilical. Não somos ingleses, nem russos, somos os que falam português, os que lá nasceram ou viveram, os que nunca fizeram o luto, nunca eliminaram esse sentimento de pertença, apesar da expulsão. Ainda somos um bocadinho a potência, como dizer isto?!, a potência que esteve lá, certo? Ainda somos daquilo, e aquilo, nem que seja só nas nossas emoções, ainda é nosso. Não nos curámos, por isso aquilo somos nós, ou o inverso, não sabemos bem, mas que estamos todos metidos por África dentro, isso sabemos, ah, isso sabemos.

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