Fumem uns charros

O Jornal Expresso, em conjunto com a Prébuild e a EGOR, oferece 30 bolsas de estudo aos alunos que agora terminaram o ensino secundário e se candidataram aos cursos de Marketing, Design, Gestão Industrial e Engenharia de Materiais, num conjunto de Universidades que podem ser consultadas no regulamento.
São, portanto, cursos onde ensinam técnicas de vendas, desenho aplicado, gestão de fábricas e conceção de materiais. Ponho-me a pensar porquê estes e não outros? Que tal Filosofia? Não precisamos de um incentivozinho para quem se proponha estudar Filosofia? E História? Investigar os fenómenos históricos, compreendê-los e explicá-los terá algum interesse? E Sociologia? E Literatura? E Pintura? E uma quantidade de outras formações que aqui listaria? Quantos são hoje os alunos que escolhem cursos nestas áreas? Meia dúzia de loucos com pais ricos? Não faço ideia, mas gostaria de saber.
Eu estudei literatura porque gostava de livros, de ler, e porque, de facto, isso me proporcionava uma saída profissional enquanto professora de Português. Sim, queria ser escritora, mas os livros não pagam contas, portanto era necessário garantir primeiro a sobrevivência. Nesse tempo os professores ainda tinham tempo e poder. Velhos, saudosos tempos.
Mas havia, nos anos 80, a ideia de que o estudo enobrecia, cultivava. Permitia-nos almejar uma profissão, mas, pelo caminho, fazíamos leituras e formavamo-nos; aprendíamos a pensar os fenómenos históricos, sociais e políticos globalmente. Líamos poesia. A perda de tempo que isto constitui nos dias de hoje! As ciências sociais e humanas e as artes eram um veículo que nos transportava de conhecimento em conhecimento, resultando daí um amadurecimento e capacidade para intervenção nas estruturas da sociedade. Não sabíamos vender, não sabíamos desenhar nem construir embalagens nem gerir fábricas, mas numa dada fase saberíamos pensar um projeto, juntar e coordenar esses técnicos e gerar algo.
Hoje, aparentemente, não precisamos que ninguém pense. Convém não pensar de todo. Basta fazer muito, durante muitas horas. Desde o século XIX que não estávamos tão perto da Revolução Industrial.
Há um café junto de minha casa onde, de vez em quando, me deparo com pequenas reuniões informais de jovens executivos de 20 anos, todos de fato e gravata, olhando para papéis com algarismos. Escutam seriamente o líder. Observo-os e tenho pena deles. Tenho vontade de me aproximar e de lhes perguntar, "não preferem deixar isso e fumar uns charros?"

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