Sete vidas

Annie Leibovitz, Susan at the House on Hedges Lane, 1988

Não posso escrever sobre o amor. Não há nada a dizer dez mil anos após a sua descoberta. Mas ontem ele fez-me festas no dedo da unha roída. A ferida dói-me, mas não me magoou. Fez-me festas de leve, roçando a pele puxada, levantada, que vai cair na ferida em carne viva, e disse-me, tu róis para além do sabugo, até à carne, até fazer sangue. Os polegares e os indicadores andam maus,  respondi quase a dormir. Depois adormecemos abraçados como dormem os amantes. Ele primeiro. Fiquei a ouvir a sua respiração e a da cadela, um de cada lado e à vez, por vezes simultâneas. Acho que ele nunca me tinha feito festas numa ferida. Tenho cinquenta anos. Sou muito teimosa, mas já não recordo o nome do meu primeiro amor, embora mantenha presente o calor das bocas, a pureza, a frescura idónea da juventude. Não devo escrever quadros intímos, singelos, estúpidos de uma afeição de cinquenta, tão impossível de provar como a fé em Deus. As palavras de amor continuam ridículas e eu só treinei redações sobre o que me faltava. Tenho de ter cuidado. Agora tudo na vida é novo para mim.
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