Futurologia

 Foto: Vivian Maier
 
No fim de semana passado estive a ouvir a Irene Flunser Pimentel dizer que a História não se repete, num do 723 programas de debate político que hoje existem pelos diversos canais de tv. A Irene é historiadora, de maneira que eu ia tendo um enfarte. Por outro lado, afirmava Irene, não gostava do discurso anti-politicos de hoje, porque lhe evoca o passado, na medida em que dele pode sair uma espécie de novo Hitler. As pessoas andam tão baralhadas que se contradizem em enunciados de três minutos. É compreensível. 
 
Embora ande aqui caladinha na minha rotina casa-escola-cadela-namorado-mãe-supermercado-adiamento de livros-desarrumação doméstica e outros pincéis, gostaria de exercer o meu direito à futurologia sobre os próximos tempos portugueses. Quero ser uma Maya, um Paulo não-sei-quê, e verão, futuramente, se acertei ou não. Quando acaberem de ler o texto dirão todos cruzes-credo, a mulher enlouqueceu - mas isso é futurologia a curto prazo.

A coligação PSD-CDS só não acabou ainda porque há que aguentar a chegada duns dinheiros de fora. Assim que cheguem, e tendo o país atingido o limite de indignidade(1) que se pode suportar dos políticos(2), Paulo Portas, que alimenta sonhos de messias, salta da coligação em dois décimos de segundo e vai preparar o seu católico rebanho para as próximas eleições, que estão mesmo aí à porta. 
O orçamento vai ser chumbado no Parlamento, porque se chegará à conclusão que os portugueses não podem pagar mais imposto do que o que auferem de salário. 
Seguir-se-ão, portanto, eleições, um demagogo que as vencerá(3), e a partir desse momento não posso garantir a ordem dos acontecimentos: saída da Comunidade Europeia(4); bancarrota de peito aberto, decompondo-se, cheia de vermes alimentando-se das vísceras; ditadura pior do que a que vivemos; revolta; caos; fome pungente; restabelecimento da ordem através de uma movimentação popular/militar, que desta feita vai derramar sangue para poder começar do zero. Sou muito boazinha, mas sanguezinho é importante.
 
Vão dizer-me que estou a ser pessimista. Mentira. Isto é hiperrealismo. Isto é pegar na tal História que Irene Pimentel afirmou não se repetir(5) e ir-lhe ao osso ver como se encaixa o esqueleto de uma crise grave. A todos os momentos de involução se seguem os de evolução, na História, na natureza, na vida. É uma tendência universal, uma lei não escrita para todas as coisas que surgem. Vida, morte, vida, morte...

Sou sempre otimista e previdente. Sobrevivi em África aos meses que se seguiram ao fim do império. Sei o que é viver num território sem lei, sem comida e sem garantia de segurança. Passo a vida a dizer que já vivi pior que isto. Por isso, com calma, sem alarde, vão comprando uns saquitos de arroz, massa, farinha e sal suplementares; umas garrafinhas de azeite; caixas de leite em pó ou condensado; umas latas de salsichas e outras de atum, e vão enchendo a vossa despensa, porque é provável que vos venha a fazer falta ter um pequeno armazém privado dentro de pouco tempo. Se não formos parvos, vamos acabar por nos safar. Quem quer realmente safar-se, safa-se sempre. Vão por mim. Não comigo.


(1) Acabei de receber um email da direção da escola pedindo-me, com urgência, que indique quem são os alunos da minha direção de turma que vivem situações de carência alimentar.

(2) Neste caso, são apenas jovens técnicos que fazem contas, saídos das juventudes partidárias sem nunca terem percebido o que era a vida real. A política é uma ocupação nobre que serve toda a população.

(3) Irene Pimentel acerta quanto ao demagogo, erra no que respeita à não repetição da história.

(4) E a Europa Central e do Norte terá conseguido o que sempre desejou: não alimentar os vícios dos preguiçosos do Sul. Os empréstimos do BCE são um mal menor se conseguirem livrar-se do fardo que constituímos. Sempre nos detestaram e nos viram como inferiores.

(5) Ainda me estou a benzer.

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