Amor



Aos 20 não podia compreender o amor de Borges e Kodama. Hoje posso. A diferença mostra que aprendi finalmente alguma coisa sobre os laços que os seres humanos estabelecem. O amor. 
O que sentimos aos 20 é normal e é bom. Gasta-se muita energia, sofrem-se muitas deceções, mas a loucura, a mística envolvida paga bem tudo isso. Os 30 são uma idade complicada, porque começamos a sentir a pressão social para, como eles dizem, "assentar", e não assentamos enquanto à nossa volta já tudo vai assentando, tendo meninas primeiro, meninos depois, para completar o parzinho. Idade a esquecer. Aos 40 vem uma bonança. Já desacreditámos do amor, se não veio é porque já não vem, e afinal para que serve, temos as nossas atividades, a nossa vida organizada, gostamos dela, para quê complicar? Aos 40 mudamos. Não é só o corpo que vai envelhecendo devagar; a forma como pensamos torna-se muito mais prática, de certa forma matemática. Não perdemos a velha loucura, mas juntamos-lhe uma pitada de razão. A mistura resulta. A conceção do amor também muda. Já não olhamos para ele da mesma forma, já não embarcamos nas mesmas coisas, sobretudo se formos honestos e bem formados. O tempo esculpe bem, como escrevia a Yourcenar. Esculpe aleatoriamente bem. E é neste tempo de bonança, já sem tanta loucura e sede que estamos disponíveis para apreciar aqueles que não são o que à partida idealizávamos, pensávamos, mas que aparecem na nossa vida e, de repente, fazem sentido nela.  E é um amor mais sossegado, muito mais tolerante, simples, sem ciúmes, medos, expectativas. Estamos com o outro porque é bom, mais nada. Não para construirmos uma vida, para termos filhos, nada. Estamos porque nos faz bem, porque a companhia e o diálogo nos completam. Já não sei amar como amei no tempo fresquíssimo dos meus 20, mas ainda bem que amei dessa forma, porque se esgotou o filão, e seria uma pena não ter vivido a dor que desatina e dói a sério.
Tenho a certeza de que sou muito mais feliz do que era aos 20, mas não sinto nada de especial. Não ouço a música dos anjos.
Porque não revelo o que realmente aprendi sobre o amor? Porque é tão simples que se torna indizível. Não há nada a explicar. O amor é voluntário, sem imposições. Por outro lado, raro. É mais fácil um rico entrar no reino dos céus. Continuo a lutar. Eu estou sempre nisso, mas minha luta já não é não perceber, mas ter percebido e afinal ser só isto. O amor é diferente de tudo o que imaginámos sobre o amor. E a culpa é da cultura. Ninguém nos diz, honestamente, que o amor é companhia privilegiada, íntima. E que é bom como é. Simples.


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