Num país onde o homicídio é a lei
Havia um país onde o homicídio e o assalto eram lei. As pessoas alegavam, em tribunal, ah, mas eu não queria ser assaltado nem morto, por isso reagi e dei-lhe porrada para o acalmar. Não pode ser, responderia o juiz. Se queria cumprir a lei, deveria tê-lo assassinado e assaltado, como reação ao ataque, e depois, logo veríamos, aqui, que penalização lhe atribuiríamos por resistir às regulares tentativas de assalto e homicídio por parte do homem que apenas feriu em vez de matar.
É que a lei é a lei, meus senhores, o que equivale a dizer que a vida é a vida e a morte é a morte. Por outras palavras, nada a fazer, nenhuma explicação, nenhuma justiça, nenhuma lógica. A lei é a lei, entendido?
Nos territórios onde a lei é a lei, os argumentos que a sustentam serão sempre melhores que os meus, porque se baseiam no pressuposto da ausência de lógica. Para ter direito a não pagar 700 euros às finanças, por não os ter, primeiro tenho de os pagar. Posteriormente, numa data não referida, ao contrário do que acontece com o prazo estipulado para o meu pagamento, serei restituída desse valor. Se não pagar ser-me-ão aplicadas coimas para me estimular, acrescidas de execução fiscal, que cortará onde houver, para me estimular ainda mais. Eu continuarei na mesma, com valores acrescidos a liquidar, porque a lei é a lei.
Gosto de viver num país onde o impossível é possível, porque me sinto numa ficção de non sense. Afinal
também posso ser uma personagem de Kafka ou de Lewis Carroll.
também posso ser uma personagem de Kafka ou de Lewis Carroll.