Deus continua a escrever direito



Durante o passeio da manhã com a cadela, dei-me ao luxo de me sentar na esplanada do Colina bebendo um garoto. Hoje gastei sessenta cêntimos, hein?! Estamos ricos! 
Fui magicando as coisas que magico num dia sem trabalho fora de casa. Essencialmente, que o amor é uma puta cara e sem dignidade; que todos são tão escravos do seu senhor, como o Django, e em iguais lutas de morte, com a diferença de acreditarem ser indiscutivelmente livres, portanto, la nave va. Também me passou pela cabeça que as pessoas desprezam as dores e aflições alheias, mesmo que lhes toquem à porta, e tocarão, e que é assim desde o princípio dos tempos; e que os humildes se tornam sobranceiros com a fama e o poder; e que a escritora que estou a ler é má, mas sendo mulher de um bom autor pode escrever o que lhe apetecer - está vendido. Magiquei mais. Não me lembro.
Chamei o senhor Zé, espalhei sobre a mesa todas as moedas que trazia na carteira e disse-lhe, "faça como se fosse das finanças: tire à sua vontade, e não tem que justificar." O senhor Zé riu-se, respondeu que isto hoje estava mau. Neguei, "igual ao resto dos dias". Ainda me deu para magicar que hei-de ter dias bons, doces como flores puras. Não sorri, apenas pensei. Atravessei florestas e desertos; avistei fauna e flora nunca vista, bela ou horrível ou ambas. Eu sei.
Ao balcão estava um rapaz aqui do bairro que, aos dezoito anos, quando me aproximava do Colina, me comia com os olhos, ao mesmo tempo que com os lábios dizia para o grupo, "chegaram os cetáceos de grande porte". Olhou para mim. Passei os olhos por ele sem interesse. Está gordo.

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