Sorvete sem tempo, em Joanesburgo

 Imagem: Mark Malm, 2011


À noite regresso aos lugares onde vivi.
Tempo e espaço, realidade e ficção confundem-se.
Onde comecei?
Que idade tenho?
Arredores de Joanesburgo. Estou com o meu tio materno mais velho, mulher e filha num parque de diversões tão perfeito como a ilustração de um livro da Anita. Não sei porque não estou com os meus pais. Nunca me lembro de ter ido sem eles à África do Sul. 
É final de tarde. A hora mágica. No céu, um resto de sol que se põe. 
O parque está repleto. Famílias, muitas crianças, todos felizes. Relva, muitas árvores, flores e regatos. Algumas casas espalhadas pelo parque são visitadas como pavilhões temáticos. Não sei o que existe lá dentro. Tenho ideia de que sejam em madeira, mas não sei se estou a confundi-las com as de Skansen, em Estocolmo, que visitei depois dos 40 anos. São casas para se ver, mas não estão à venda.  Há carrosséis, homens de farda que vendem algodão doce e sorvetes. Não sei se são brancos ou pretos, embora pela lógica não devam ser brancos. Não vejo a sua raça, mas a função. Também não tenho a certeza sobre a existência de algodão doce, se calhar a memória fabricou-o. Sorvetes, sim. No meu inglês, porque já o sei falar, embora seja muito menina, pedi um de baunilha e chocolate com topping de morango,. Vejo muito bem os fios de molho de morango sobre o topo de cone. Que sorvete maravilhoso. Acho que nunca comi um igual na vida. É o melhor sorvete do universo. Conforme o vou lambendo, cai a bola inteira sobre o meu vestido branco. Sinto a frustração de perder o meu sorvete, de sujar o vestido, de me manchar no meio de toda a beleza. Agora já não posso ir visitar mais pavilhões, porque estou suja. Não posso correr, como as outras meninas, porque me sujei. Já não posso brincar. Para mim, tudo acabou.
Não sei se isto aconteceu. Não sei se algum parque destes existiu nos arredores de Joanesburgo.

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