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Eu sabia que não queria morrer. Que não estava certo. Que outros se haviam aguentado sobre a Terra sem mais nada, só usufruindo o pleno que nela havia, porque havia por todos os lugares, e eu sabia. Já tinha experimentado antes essas visões, cheiros, sentimentos. A Terra era perfeita e justa como uma flor selvagem, um moscardo, mesmo que nesse momento não lhe encontrasse sentido. Eu sabia. Repetia isso. Eu sabia. Eu sabia. Precisava de me convencer dessa experiência anterior. Larguei a contemplação e atirei-me a tarefas cuja utilidade era inegável: dei banho às cadelas, sequei-as, penteei-as, limpei-lhes os ouvidos, cortei-lhes as unhas com o alicate, levei-as à rua, fiz-lhes festas, dei-lhes comida. Lavei o chão com a esfregona, dei comida e água aos pássaros, pus roupa na máquina, sequei-a, dobrei-a, deixei-a para passar depois, fiz comida para o dia seguinte até ser tarde e estar suficientemente cansada que justificasse deitar-me e tomar os comprimidos para dormir. Em nome da terra, do que estava na Terra para além de mim, eu não queria, eu não podia morrer.

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