Penas trazem penas

Lavei a varanda dos restos deixados pelos pombos: excrementos, penas, farelo de milho, pó.
Antigamente tinha o hábito de trazer penas para casa, como se arrecadasse com elas o poder de voar. Observava curiosamente os seus filamentos, matéria. São peças perfeitas. Beijava-as, acariciava-as, e guardava-as em gavetas. Antigamente quer dizer sempre. A minha mãe sempre ralhou comigo por via das penas. Dizia ela, "deita isso fora: as penas trazem penas". A minha mãe teve a rara qualidade deconseguir motivo para ralhar comigo até aos 50. 
Eu não deitava fora as penas, até o dia em que, numa fúria de arrumação, ia tudo para o lixo, já sem amor. Onde se guardam as penas?
Limpava a varanda pensando nisto, porque agora penso na minha mãe com frequência. É uma ausência que se nota muito. Ocupava a minha vida; era quase sua dona. A sua necessidade de domínio era a fonte dos nossos conflitos. Por outro lado, algumas vezes teve razão. Algumas vezes os vestidos não me ficavam tão bem e eu estava mesmo mais gorda e despenteada. Mas está feito. Fomos o que tínhamos de ser.
Nunca tive ninhos de pássaros na minha casa. Este foi o primeiro ano. Portanto, retomando o discurso mágico da minha mãe, as penas trouxeram penas. Este ano têm sido repleto de penas das quais não me é dado descanso. Há penas que me surpreendem, outras que procuro, e outras, ainda, que adivinho. Tem sido um ano muito longo.
Enquanto limpo, a Nina brinca com as penas que varro. Sente o cheiro dos pássaros, as penas levantam-se, esvoaçam, e a cadela pensa serem bichos,

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