Os poetas feios

Escuto os poetas todos, os bonitos e os feios. Enquanto escuto os bonitos, a minha luxúria indigente imagina que encosta à parede pintada a ouro de quilate esses corpos que a exaltam, e lhes passa pelos lábios os dedos da mão direita, desabotoando botões nas suas camisas, cheirando-lhes o pescoço, o queixo, passeando devagar as mãos pelos peitos, que não interessa ver, e ordenando, não digas versos, não digas, eu faço a poesia. Esses são os bonitos.

Depois, os poetas feios, os poetas gordos, os poetas do cabelo incerto, de corte despenteado e antigo, os poetas carecas, os poetas míopes, coxos, esses porcos sem dono nem lei, que comem flores e alpista de pássaro, por fome, e sustentam filhos sabe deus como. Escuto. Imagino que com esses fala o meu estômago, a minha fome de pão às quatro e meia da manhã, e peço, “espera, espera - diz aquele verso, aquela estrofe, diz-me outra vez”, e se forem capazes, vou-lhes lambendo os lábios,  cortando as metáforas em duas, três sílabas, tudo na hora, sem ouros, contra a parede cloaca da cidade, mordendo as suas bocas pelas quais não passou Colgate antitártaro. Têm ombros, mãos suadas, às vezes fedem, e eu, sem antidepressivo, sem desmame, enfio desapiedada os seus corpos carnais no meu, sem nome, pedindo que não me digam que estou a magoá-los, e que rezem por mim um pai nosso em nome da tentação, e do corpo que o meu corpo matou sem poesia. Esses são os poetas feios. 


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