A minha personagem é toda mentira

Agora que me preparo para iniciar uma carreira de escritora inteiramente dedicada ao texto, à fome a sério, às contas por pagar e ao pedir emprestado e adeus, porque a vida tem a suas fases, e consta que é de sete em sete anos, mais coisa, menos coisa, alertaram-me para a necessidade de estabelecer pactos ficcionais.
É o que venho aqui fazer. 
Passo a explicar o teor do meu pacto e depois assino por baixo
Tudo o que escrevo é ficção. Certo?
Se quiser escrever sobre a Ninah, mudo-lhe o nome para Nanih e descrevo-a como sendo de grande porte e pelagem preta, resgatada numa associação protetora onde muito ma gabaram. A Nanih nunca faz xixi à entrada da porta, faz à saída. Alternativamente, mudo-lhe o sexo para cão ou mesmo a espécie, para gato, às manchas, mas sempre animais problemáticos, com nomes começados por éne.
Textos sobre o meu pai hão-de ter personagens com nomes iniciado por V, como Vitorino ou Vítor. Tiro a barriga ao meu pai e meto-lhe uma corcunda. 
A minha mãe terá de me desculpar, mas passar-se-á a chamar Maria Júlia ou Maria Julieta. Os olhos mudam para verdes e, todos os dias, ao início da manhã, entoará mantras budistas. Quais avé-marias e pais-nossos! 
Eu vou deixar de ser uma mulher que teve muitos complexos por ser gorda e passo a rapaz que amou muito uma rapariga que não estava para lhe abraçar as banhas. O pacto ficcional é fixe, sobretudo porque uma pessoa depois desfila na passadeira vermelha dos esfomeados dizendo, não fui eu, atenção!, não fui eu, mas a personagem. Atenção: o pacto ficcional.
E agora, assino onde? Deixem-me meter os óculos na ponta do nariz. Não é que tenha alta miopia, degenerescência macular e cataratas, as linhas é que são muito finas, e tremem. Ai, querem ver que a minha personagem do pacto ficcional tem Parkinson?!




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