Do luxo da azeitona

Querida mãezinha e querido paizinho,

escrevo para vos dar notícias da vossa bem amada terra, esperando que esteja tudo por bem por aí.
Eu continuo aqui a ser uma boa menina, digna e bem educada, mesmo quando, às vezes, preciso de emitir palavras à bruta. Não é que queira, mas ainda não controlo bem certas reações, e há alturas em que, no mundo animal, ou se mostram dentes e garras ou se é comido. Falar-vos disto, tendo vós nascido em 1924, e atravessado o século XX, é como ensinar a missa ao padre, pelo que avanço.

Fui hoje comprar comida ao supermercado. Comida, para mim, são os vegetais e frutas, tendência que vinha já dos anos em que estáveis na vossa terra. Comprei melão, alface, tomate, pimentos, rabanetes e azeitonas. Tudo em pouco, só para fazer umas saladas, que agora sou um pisco. Gastei 4,98€, e de seguida sentei-me a beber um café: 0,60€. Como veem, a vida mudou muito por aqui, porque antigamente eu reparava pouco nos preços, e agora sento-me a ler as faturas. Sempre. 


Não são apenas os preços que me prendem a atenção, mas as taxas de iva. Tenho dado valorosas e negras gargalhadas lendo faturas de supermercado; mas hoje não me ri, apenas me lembrei das vossas histórias do passado, era eu pequena, estávamos pelas áfricas, sem "farm", e eu nunca tinha visto uma oliveira, a não ser em ilustrações. Vejam lá se ainda se lembram das histórias sobre os tempos da fome! Nesse tempo bastava uma caneca de café, mais uma mão cheia de azeitonas com pão, e ficava-se de barriga cheia, sem mais nada, esperando o sono dos justos. Era isto?! Comigo seria igual, meus queridos, mas descobri, lendo hoje a fatura, que a azeitona a peso, tirada do tonel na mercearia, é taxada a 23%, como artigo de luxo, o que mostra como evoluiu e superou o rabanete, de longe. O vinho continua nos 13%, devendo nós inferir que é um luxo maior que a alface, mas menor que a cerveja, também na lista dos 23%, como a azeitona, e acima de todas as possibilidades - muito embora os clientes do café Colina continuem a preferir a imperial ao copo de vinho, mesmo desempregados, fenómeno que, nesta fase do meu desenvolvimento terreno, não vos conseguirei explicar.


De resto vai tudo muito bem. Os portugueses continuam conformados na desesperança e maledicência, a pedir emprestado sem pagar e sem mal, a viver em casa dos pais ou a emigrar, quer tenham sido maus para os estudos, quer bons demais. Agora tanto faz. 

Por hoje é tudo. Mais notícias vos darei brevemente.

Um grande beijo da vossa filha que vos adora,

Isabela





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