Salvação

Ouvindo entrevistas do programa Bairro Alto, apanhei uma à Amélia Muge.
Referindo-se aos condicionamentos resultantes da falta de qualidade dos equipamentos de som ou dos auditórios, afirmava que ao chegar de Moçambique, a certa altura do seu percurso de vida, deu com o Zeca Afonso a cantar no Alentejo, de megafone na mãe, e se sentiu em literal estado de choque, porque o megafone não era música, mas grito.
De toda a entrevista à Amélia Muge guardo esta afirmação, porque encontrei na realidade que evocava uma grandeza trágica que compreendi. Esse megafone, o grito. A humildade do Zeca, cuja obra conheço mal. Compreendi. Imaginei o homem perante uma multidão que carecia de alívio e esperança, e para a qual os sons grotescos de uma "Grândola, Vila Morena" gritada ao megafone fossem o rosto da prosperidade, da necessidade inata de salvação que as pessoas trazem consigo, seja qual for a classe social a que pertençam ou o nível de cultura e erudição.
O Zeca, para a Amélia, gritou, mas creio que quem o ouviu, cantando através do megafone, escutou, nesses minutos, a mais bela melodia das suas vidas.

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