Mal dita

Foi uma conversa lenta e longa. Eu tinha a cabeça queimada de perda e insónia e estava sentada à sua frente. Parece que me tinha portado mal. Não cumprira o prazo para entregar um papel, que, segundo a Lei, tem um prazo. Dez dias. Tem dez dias para entregar um papel. Poderiam ser três, cinco, sete, nove, onze, mas na Lei está escrito dez. A senhora tem de escolher se quer ser professora ou escritora. Professora ou escritora. Se quer ser professora não pode ser escritora. Se quer ser escritora não pode ser professora. Escritora, professora. E, não. Ou. E agir em conformidade. "E agora que a sua mãe morreu, a senhora..." Falava devagar, bastante direita e muito segura do Certo e da Lei. Eu escutava. Doía-me a cabeça. Em mim havia uma dor, um silêncio que nunca constará em nenhum artigo da Lei. Que não tem ferida, que não deita sangue. "Espero que tenha compreendido". Respondi, "sim, senhora, muito obrigada". Depois levantei-me e saí. Não me lembro de mais nada dessa conversa.

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