Sobreviver


Foto - @Bruno Boudjelal

Se eu queria o sacrifício do povo grego? Não, não queria. Queria a dignidade.
Eu vivia em Moçambique, em 1975, quando deixamos de ter escudo e passamos ao metical. Eu estava no Maputo nessa época em que os portugueses largaram a terra, e parou tudo; não havia ninguém capacitado para fazer nada; não havia nada. Um sistema tinha falido, e o seguinte ainda estava a tentar orientar-se. Não havia bens de consumo disponíveis. Não havia pão nem sabão nem aspirina. Vivíamos o dia presente, porque só tínhamos esse. Eu saí do país, mas muitos ficaram. Houve guerra civil duríssima. Os meus pais atravessaram-na e sobreviveram. Só não sobrevivemos à morte. Arranjamos maneira. Trocamos. Desenrascamos. Sobreviver é fazer o que nunca se fez antes. Eu vi a minha mãe fabricar sabão caseiro para nos podermos lavar.
Como é que eu posso ser moderada? O que é ser moderado? Como podem pedir-me que esqueça o que vivi?

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