Como é que se vive?

Foto: @Jessica Dimmock
Estou sozinha na casa que comprámos para o meu futuro. A nosssa casa minha casa. Sozinha no lugar onde o meu pai e mãe já não regressarão um dia, porque não estão em África a trabalhar na barragem, a juntar dólares para comprarmos um carro, pagar o empréstimo ao banco, viver com dignidade. Não espero um dia em que cheguem com um caixote de mobílias e recordações de um tempo que mudou e acabou, e de um espaço que já não é nosso. Partiram para onde não posso vê-los nem senti-los. Estão a trabalhar onde? Não espero ninguém nem nada, e tudo o que era para ser, já foi. 
Agora estou tão só comigo como no dia anterior à minha conceção. Mais, ainda, porque não me espera a ideia de que vou ser feita e poderei vir cheirar rosas nos jardins, ver com os olhos as pétalas, os rostos, o horizonte, sentir a brisa de estar viva.
Mas eu ainda estou na vida, lembro-me. Preciso de me acordar com este pensamento: tu ainda estás na vida! Obrigo-me a comer sopa repetindo esta ideia: estás viva, tens anos para cumprir.
E agora, repito, e agora? A mesma pergunta, ciclo após ciclo. E agora? O que me resta sem eles, sem nada por que esperar, a que obedecer, desobedecer, respeitar, cuidar?! Sem amarras, sem âncora, sem desejo de fuga? Como é que se vive?!

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