Uma casa vazia
À minha espera há uma casa sozinha e uma cadela feliz.
Porque é ela
feliz? Com que sonha? O que espera amanhã? A solidão da casa não a atormenta. A
sua casa sou eu, mas ela não é a minha casa. Totalmente. Eu devo ser a minha única
casa quando adormeço, porque a solidão da casa que me espera me atormenta.
Junto à casa
onde vivo, construíram, há anos, um centro de apoio a velhos. Aí vão almoçar e
passam parte das horas que se lhe antecedem e seguem. Estão sentados à porta ou
na escadaria. Têm um ar vazio. Fazem palavras cruzadas ou olham a rua, apenas.
Esperam. Não falam muito. Alguns chamam a cadela. Fazem-lhe festas. Brincam com
ela. Dão-me migalhas de pão que têm nos bolsos. Trocamos algumas palavras de
circunstância. Olho-os. Olham-me. Contemplo o seu olhar triste e cansado. Dá vontade de os abraçar.
Seria como se me abraçasse.
Se fico uns
tempos sem passar à porta do centro, mudam os velhos. Já são outras caras. Não
pergunto pelos anteriores. Tenho vergonha e medo do que me dirão. Mas não
esqueço os seus rostos e gestos. Tenho-os guardadas no coração da memória. A forma como
sorriam, olhavam, faziam palavras cruzadas. Nem os seus nome sei. José? João?
Pessoas com casas vazias à sua espera. Talvez pessoas com com cães felizes
aguardando ansiosos a sua chegada.
Houve dias
em que a vida foi uma festa.