As fotos de crianças afogadas no Mediterrâneo fazem bem ou mal?

Os budistas defendem um princípio segundo o qual não devemos ver o mal, ouvir o mal nem praticá-lo. A minha mãe, católica devota, que nunca escutou um ensinamento budista, seguia o mesmo, transmitiu-mo, e neste ponto nunca divergimos. Reconheci este princípio como verdadeiro quando me foi transmitido. Há uma sabedoria universal. 
O mal existe, mas eu não quero atravessá-lo, tal como as lixeiras existem, mas eu não as quero visitar. A violência agride-me, mesmo que não me seja dirigida, porque não é uma ação que se possa compartimentar, individualizar. O mal que atinge os outros, também me atinge, na medida em que eu não estou separada de nada do que existe à face da Terra. A violência sobre os animais, a destruição da natureza, a injustiça e iniquidade praticadas sobre outros humanos, onde quer que seja, por quem seja, atingem-me, violentam-me também, porque eu estou viva no mundo, ligada a ele, e a dor e alegria que o afetam, influenciam-me, direta ou indiretamente, a curto ou médio prazo. 
Estou portanto alerta e sensível à narrativa do mundo. Mas sou, para todos os efeitos, uma privilegiada que recebeu educação cívica, religiosa e escolar, cuja autoestima e espírito crítico foram estimulados, nunca repreendidos, e que consegue ver e pensar autonomamente. Sou uma entre alguns. Aquilo que me serve não satisfaz os outros, frequentemente, e vice-versa. No caso das imagens das crianças afogadas, que evito, que me ferem, admito que podem ser necessárias para despertar muitas consciências. É certo que são brutais, chocantes. Não as quero ver. As feridas do mundo já me acompanham todos os dias, mas aqueles que se pensam absolutos, imunes, acima da dor do mundo, talvez devessem contemplá-las com caráter compulsivo. 
Decisões como a que a Imprensa teve de tomar, no que se prende com a divulgação das imagens, são difíceis e questionáveis, mas se, de alguma forma, serviram para que um bom punhado de indiferentes acordasse, e outro, de opositores à solidariedade, questionasse o seu pensamento, colheram fruto. 
Nada é apenas mau. Nada é apenas bom. Esse 100% não existe.

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