Os 7450 euros do Padre Milícias

Segundo dados de 2011, o Padre Vítor Milícias aufere uma pensão de 7450 euros. Atualmente, será menos, porque os cortes chegaram a todos. Imaginemos, fazendo contas por baixo, que lhe tiraram 2500 euros mensais. Ainda me dá 5 mil. Se me tirassem do ordenado 2500 euros, todos os meses teria de arranjar 1200 euros, algures, para pagar ao meu patrão. Sei eu lá o que são 5 mil euros! Só queria juntar o suficiente para mandar substituir os vidros das janelas de trás e da frente, que deixam entrar frio e chuva. Estou  tão cansada de apanhar água com a esfregona! Mas sei que sou uma privilegiada, nos dias de hoje. O salário cai mensalmente, sem falhas. Consigo pagar as minhas contas. Tenho comprado um livro por mês, assistido a um espetáculo, pelo menos, ido ao café. Até tenho jantado fora. Pelo menos uma vez por mês! Um luxo, reconheço!
Não sei que funções exerceu o Padre Milícias para conseguir auferir uma pensão tão "razoável", nas suas palavras, mas imagino que tivesse sido um cargo nobre, de grande importância humana e social, no contexto dos seus votos franciscanos. Muito mais  humano e social do que o de um professor que trabalha na escola e em casa um número de horas que o Estado até nem se importa de permitir que sejam oficialmente 35, porque convém que nunca chegue o dia de apurar o seu cálculo real. Ou de um médico(a) do SNS. Ou de um juiz(a). Professores, médicos e juízes nunca poderão estar tão enfiados na vida, no podre escuro e na luz das maravilhas como uma padre franciscano que foi iluminado pela vocação espiritual, de natureza imaterial, e manifesta uma compreensão e tolerância da fraqueza e grandeza humana incomparáveis com o de qualquer outro ser racional. Não me incomoda que o padre Milícias tenha uma pensão tão "razoável", porque a prosperidade alheia me causa satisfação, mas sendo ele não só um coração bondoso, como um oficial apóstolo de Cristo, espero que siga o seu exemplo e despenda parte significativa dos valor auferido para prestar apoio aos que precisam, que são muitos.
Eu ganho 1300 euros mensais para poder dar-me ao luxo de ser professora numa escola com cursos de formação para  jovens do bairro social. Não sei se viram o filme da Michelle Pfeiffer, em que atirava chocolates ao alunos para os amansar. Sempre gostei de ser professora, mas agora é pior. Já não acalmam com chocolates. Apesar de tudo, consciente do meu privilégio, guardo parte do que aufiro para ajudar amigos, associações, e por aí fora, porque me pedem, porque tem de ser, porque sei que, tendo pouco, tenho muito, e, sobretudo, tenho a graça de ser muito ajudada quando preciso, e estou agradecida como Lázaro, portanto, o Padre Milícias, que consagrou a sua vida ao Outro, há-de ser bem melhor do que eu.
Gosto sempre de dizer quanto ganho, faço até questão, para que a orgânica social se torne para todos mais clara. Se não partilharmos informação, ainda se chega ao ponto de pensar que o senhor padre ganha 1300, e está com sorte, porque um padre não pertence ao "sistema", e a professora é que se alapa com os 7 mil; o que, pensando bem, até é justo, porque estes funcionários públicos que vão levando com as sequelas dos cancros sociais gerados pela economia e pela política merecem a canonização em vida.
Não tenho nada contra o Padre Milícias. Não tenho mesmo. De certeza que teríamos ambos uma excelente conversa sobre diversas matérias, e teria muito a aprender com ele. Peço perdão antecipado por usar o seu nome com o objetivo de fazer valer esta minha mania selvagem de perceber que, sendo todos nós o mesmo organismo, há partes dele inexplicavelmente destituídas de irrigação sanguínea.

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