Cagando sobre as massas



Eis uma crónica que vão detestar. Avisei.
No seu primeiro volume intitulado Adolf Hitler Ascent, Volker Ulrich aborda a questão do culto do líder e do nascimento de uma ideologia como o nazismo. Defende a ideia da "centralidade de Hitler na definição do que veio a ser o nazismo". Fica claro que não é da ideologia que sai o líder, mas o reverso. Pelo menos, neste caso concreto, e a história não estará isenta de muitos outros. A isto chamo fenómenos de massas ou pressão dos pares, comportamentos disseminados pelas diversas esferas culturais: política, desporto, moda, sexo, ecologia, consumos alimentares, religião, e por aí fora. 
Os fenómenos de massas não são bons nem maus, tal como o telefone, a televisão, a internet, um pau ou uma pedra: depende do uso. Na última meia dúzia de anos gerou-se um culto do gin como bebida de eleição para momentos de lazer e convívio. Antigamente existiriam umas duas marcas conhecidas, hoje há cerca de 30, e em Lisboa e Almada encontram-se autodenominados gin bars. Lembro-me dos anos do vodka, do uísque, mas agora estão fora de moda. Só os cotas os consomem. Cotas como eu ou mais ou menos. Mas o gin tem a sua graça.
Sendo eu jovem adulta, recordo que esteve na moda sairmos pela cidade velha, almoçando ou jantando bacalhau à Braz ou carne de porco à alentejana e vinho tinto. Lisboa: Alfama, Costa do Castelo, Graça, Mouraria. Não havia turistas como hoje. Um ou outro que passava sem alarido. Uma calmaria. Mas agora temos restaurantes veggie, ou pelo menos com essa opção, e essa admirável mudança, sendo de massas, como o turismo, parece-me positiva. 
Também me lembro do tempo em que não se reciclava uma única embalagem, qualquer que fosse o material nem se apanhavam dejetos de cães. Eis outro fenómeno de massas que veio por bem. Se o cãozinho calha fazer cocó sem que tenhamos saco com que apanhar, sentimo-nos devorados pela culpa de desprezíveis cidadãos prevaricadores e imaginamos mil olhos que nos vigiam e censuram. E vigiam.
Passemos a outro fenómeno de massas, igualmente relacionado com escatologia, que chegou aí pelos finais dos anos 80: chamar ratazanas com asas aos pombos. Durante muito tempo foram pombinhos lindos, e as crianças e pessoas sensíveis atiravam-lhes milho e pão esfarelado, ficando a vê-los debicar. Estimavam-se no adro das igrejas, nas praças, nos telhados e jardins. Existiam pombais aqui e ali. Nos dias de hoje, transformaram-se em "transmissores de doenças que cagam tudo", mas só os da cidade e os cinzentos. Se forem do campo ainda se lhes pode chamar pombinhos, mesmo que trucidem couves, e se forem brancos mudam de género e passam a designar-se pombinhas imaculadas, cagando menos, penso eu, porque os aceitam mais facilmente. Há que, coerentemente, iniciar o revisionismo da iconografia de São Francisco de Assis, mandando apagar pombos e outras aves que alimenta amorosamente, porque o exemplo manda servis os puros e excluídos. Já não estamos no tempo dos santos nem dos mártires nem do bagaço nem da tasca nem da pureza nem da humildade nem de nada que seja livre, sobretudo pombos, pensamento e vontade. É em tempos destes que costumam aparecer os hitleres, mas não devo estar muito longe da verdade se considerar que os tempos vêm sendo quase iguais desde o início, portanto resta-me resistir a mais um fenómeno de massas, cuja origem e sentido me ultrapassa, como tantos outros, continuar fiel aos meus princípios e a tudo o que seja anarca e cague sobre as massas sem pensamento nem piedade. Santos pombos!

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