O meu amigo já não gosta de mim

 Foto: Saul Leiter
Não há grande diferença entre conhecer e manter amigos e amantes. O processo é idêntico. Conhecemo-nos em contextos diversos e inesperados, mostramos o o que achamos dever mostrar, e o contacto inicial gera empatia ou antipatia. Se gera antipatia, o caso fica arrumado. Se existe empatia, tudo se complica. Dá-se início a um demorado processo de convívio com o objetivo não explícito do conhecimento mútuo. Quando eu era criança e adolescente, recordo que me era transmitida a ideia de que o namoro correspondia a uma fase de conhecimento durante a qual os envolvidos percebiam se os hábitos e interesses eram compatíveis, e o encontro tinha potencial para se transformar numa relação duradoura. Era uma ideia mais ou menos explícita. Era uma fase de experiência, de conversa. Era para ver "se dava". A ideia perdeu-se com as novas gerações. Quando chegou a minha altura de namorar, passei a entrar no amor arrebatadamente com a ideia de que tudo era para sempre. Erro. O namoro, com ou sem sexo, com promessas de amor eterno ou sem ele, é sempre um processo de conhecimento. É um durante, um por enquanto com dois fins possíveis: termina com ou sem dor ou mantém-se, e nesse caso sempre com dor, pelo menos ocasional, porque onde existe uma alma existe dor, e onde se encontram duas, existem duas. A dor é intrínseca aos transportes do ser numa realidade social mundana, similar à das pessoas que leem crónicas como esta. Não é possível expurgar a dor do quotidiano. Contentemo-nos com o que há. 
Se assim é no amor, porque seria diferente na amizade?! Que magia extraordinária seria essa capaz de transformar todas as empatias fraternais em relações eternas e sem convulsões?! Estão em jogo egos e almas diferentes, com diferentes características, desejos, medos, propensões. Conhecem-se e ao longo desse caminho encontram sombras demasiado sombrias, luzes demasiado incómodas. Quando dois potenciais amigos se conhecem há igualmente uma fase de namoro na qual se apura "se dá". Pode não dar. A maior parte das vezes não dá. Não tem mal. Não é necessário ficar-se magoado. Não há culpa a atribuir quando não somos compatíveis com outros. Ao longo da minha vida houve imensa gente com quem desejei dar-me e que não me quis. E vice-versa. Não é um atestado de incompetência nem de inferioridade para mim, como não o é para os outros. Há mais quem queira. Há outros possíveis amigos e amantes. O mundo está cheio de gente e de oportunidades. Não dramatizemos. Adiante.

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