Ponta dos Corvos



A praia fica atrás dos prédios. Atrás dos prédios? Sim, atrás do centro comercial, numa rua que parece acessar apenas a traseira dos edifícios encontra-se a indicação: Ponta dos Corvos.

Fazem-se uns 200 metros em alcatrão e a estrada transforma-se numa picada que circunda o muro do quartel, descendo até à praia, uns bons três quilómetros. Uma picada?! Sim, uma picada, uma caminho de terra solta ou batida, conforme o segmento. Parece África, só faltam os macacos atravessando-se na estrada vindos dos arbustos que a ladeiam. Se tivesse que filmar num cenário africano escolheria aquela praia.

A praia é frequentada por famílias inteiras de negros, de bisavós a netos, o que não é vulgar noutro lugar qualquer. Também há por ali brancos, assando febras. Os banhistas procuram sombras onde comer o que trouxeram de casa. Há pinheiros mansos esparsos e chegam quase até á água, estando a maré cheia. Nesse caso, as ondas de água doce-salgada batem na areia. Se está vaza apanham-se moluscos no lodo e caminha-se com pé quase até Lisboa. A areia branca, suja de juncos e de pinhas é muito fina. Podia ser uma praia de ricos, mas os carros estacionados já foram todos à inspeção uma boa meia dúzia de vezes.

É uma praia abandonada. Abandonada? Não verdadeiramente, mas há nela abandono. É um lugar de segunda, desconhecido, atrás dos prédios. Há cães abandonados que ali se refugiaram e ali vivem. Cães grandes, sujos, que ladram de medo, que temem as pessoas. Há homens que ali vivem como cães e com eles. Um lugar dentro e fora da cidade, que lhe pertence e é outro lugar, em simultâneo. Que não pode ser senão uma praia da foz, um lugar onde os pobres não precisam de gastar dinheiro

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