O novo chinês e as pilhas Panasonic

Foto  de Olga Ageeva

O chinês do meu bairro trespassou a loja e foi abrir um restaurante longe. Não faz mal, porque ligava pouco à loja e tinha umas filhas do piorio, que gritavam quando viam as cadelas ao longe. Quem mo contou foi o novo chinês, muito mais simpático na missão de fixar a clientela. Perguntei-lhe o nome. Respondeu Lil. Tentei esclarecer: "Mas é Lil ou Ril?" "Lil. Lil" Respondeu. Seja. 
Fiz as compras: pilhas para as gambiarras de Natal e comandos de tv, box e dvd. O senhor recomendou-me a marca Panasonic. "Malca chinês não bom. Panasonic dula." Comprei também um regular bloco de folhas pautadas para escrever cartas, um par de meias quentes, e duas mantas novas para as camas das cadelas, amarelas com pintainhos amarelos. Acho que preferiam ossos de couro para roer, mas não havia. "Depois havêle muito." Sorriu. Muito simpático mesmo. 
De regresso a casa, os pombos vieram pousar aos meus pés, pedindo o que lhes devo. Conhecem-me. Não trazia pão. Arranquei ao bolo rei um naco que lhes esfarelei. Juntei ao bodo um sonho de abóbora partido aos bocados. Vieram muitos. O barulho das asas de uns chamam todos. As cadelas cobiçaram o bolo-rei e o sonhos. A Serra voltou atrás e roubou-lhes um pedaço.  "Que menina feia!"
Ninguém me chateou por dar comida aos pombos. E se chateassem, haveria de dizer "é Natal, respeitem".  
A vida era mais simples, mais justa, mais  doce se pudesse dizer isto todos os dias. Dirão que "é Natal sempre" ou que "é Natal sempre que um homem quiser". É verdade. Pouco se medita no significado profundo dos enunciados reproduzidos, mas creio que a experiência mais plena do Natal, provavelmente a única experiência possível do que isso seja, reside em insignificâncias do quotidiano como ir ao chinês comprar pilhas e dar aos pombinhos comida que as nossas cadelas desejam e roubam. Tudo o resto não passa de ruído sobrevalorizado.

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