Enorme pouco


Lendo sentada no chão, sobre uma manta e almofadas. Ia noite alta. O Putchi ressonava a um canto, competindo com um trompete dum dvd que tocava. Fazia um frio de facas, como faz sempre em Alcácer, no Inverno; eu tinha fechado a porta e ligado o aquecedor, um bocado. O quarto tinha aquecido e estava-se agora lá muito bem, com a luz suave, a música, o cão, os livros à minha volta, o conforto, a minha vontade, a minha vida... e depois caí em mim. Reunira ali tudo o que sempre desejara. Era tão pouco. Esse enorme pouco era a minha felicidade. Seria difícil voltar a ter nas minhas mãos outro momento de igual paz, e de facto só a recuperei quando vim para esta casa, e me entranhei nela como se fosse a minha casca.
A felicidade é coisa muito pouca. Muito rasteira. De linguagem muito incipiente. Gestos muito inesperados e simples, sem nada a esconder. Sinto isto, tenho isto para dizer, toma lá.
Recordo-me de ter pensado que era absolutamente necessáro recordar para sempre esse momento, esse exemplo. Tinha 37 anos e passaram mais dez. Vejo nas fotos que estou mais velha e muito mais feliz.

Foto: Gregory Colbert

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