Eu também não estive em Woodstock
A Imprensa enche-nos de imagens do festival de Woodstock, legendando-as com a expressão "três dias de música, paz e amor". É assim todos os anos. Quando era jovem, à falta de informação, julgava que tudo aquilo tinha ocorrido num grande espaço relvado e florido, como o Central Park. Gente bonita, vestida com roupas coloridas, ou nua em total harmonia com a natureza. Hoje, tenho de ser sincera, não dúvido que tenham sido três dias de música, mas quanto ao resto, pensemos bem.
Observo as fotos e vejo um enorme campo de lama e lixo: garrafas de plástico, latas, sacos e papel. Jovens cansados, com um aspecto deplorável, dormindo no chão molhado, embrulhados em cobertores sujos de terra, com a roupa colada ao corpo, caminhando pela lama com olhar perdido. Se os hippies eram um movimento a tender para o ecologista, não consigo vislumbrar ali ecologia alguma. Parece que houve ali um belo campo de pasto antes da chegada do pessoal, mas quem é que não sabe que o Inferno são os outros?!
Expliquem-me onde é meio milhão de pessoas fez as necessidades durante três dias? Na meia dúzia de latrinas portáteis disponíveis algures nos 250 hectares da quinta?! A Festa do Avante é o que se sabe e tem dois ou três balneários de 50 metros, com numerosas fileiras de latrinas democráticas. Calculo o inferno de humidade e fedor que se terão suportado naqueles dias. O que realmente justifica as drogas. Se tivesse que suportar tal coisa também me drogava até chegarem os paramédicos. É por isso que não acredito na paz nem no amor. Entorpecimento, sim, falem-me disso. Mas paz e amor no meio da humidade, do fedor e do sobrepovoamento dos festivais de rock, por favor, não me vendam esse produto, em parte nenhuma do mundo, e aproveitem para fumar os charros sossegadinhos em casa.