A minha foto
Recuso a divulgação de fotos minhas, mas o meu agente enviou as que tinha à minha editora, a pedido, para a badana e outras acções de divulgação.
Telefonei-lhe. Aleguei que tenho o direito de manter reserva relativamente à minha imagem. Acrescentei que também ninguém viu a Teresa Veiga mais gorda. Posso passar por ela que não sei quem é. Perguntou-me se me considerava uma primadona, e sem me dar espaço para respostas, continuou que até poderia lá chegar, se quisesse, mas que para isso precisava de uma foto, porque livros sem foto não vendem, e livros que não vendem não projectam autores, e autores que não se projectam são engolidos pelo mercado. O monstro do mercado, disse ele. Ignorei-o. Deixei-me estar na minha.
O senhor viu a cara ao Herberto Helder nos últimos 30 anos? E quando leu as suas aventuras dos Cinco tinha alguma ideia de como se parecia a Enid Blyton?
Mas a menina não é o Herberto Helder nem a Enid Blyton - a Assíro & Alvim que lhe perdoe colocar ambos no mesmo cesto! - porque, se fosse, não precisaria de mim como agente, não lhe parece?!
Fiz orelhas moucas. Ainda hoje vi a Paula Rego na televisão: uma tia! Falava de Cascais, do lugar onde ia lanchar antigamente, de um jardim com verdadeiros macacos, o que tanto a divertia... uma tia do chá das cinco! Imagina a necessidade que eu tinha de saber quem era a Paula Rego ou de a ouvir falar?! Zero. A mulher tem uma obra. As pessoas têm uma obra. Ninguém precisa de as conhecer pessoalmente. Não preciso de conhecer pessoalmente nenhum artista. E se por acaso temos o azar de os conhecer, convém desenvolver uma diligente imparcialidade, isso se quisermos continuar a apreciar a obra.
Suspirou.
Isabela, suspeito que seja impossível fazê-la entrar neste meio. No seu caso é bem verdade que podemos tirar a rapariga das entranhas do subúrbio comuna, mas jamais o subúrbio comuna das entranhas da rapariga. Mas quem é que você quer ser, afinal? Não pensa no futuro?! Na sua carreira?! Olhe, não percamos tempo com ninharias; não responda, não me interessa. Deixe estar assim. A foto tem de entrar e depois logo se vê quem tem razão.
E desligou, o presumido.