Política fiscal para tansos
É verdade que no famoso debate com Sócrates, Francisco Louçã demorou muito tempo a reagir à acusação relativa à exclusão de algumas deduções fiscais, nomeadamente as da saúde, educação e planos poupança-reforma. Respondeu, mas ao lado, e em política a resposta tem de vir na ponta da língua. Loucã demorou-se a pesar as contrapartidas políticas da admissão desse ponto do programa do partido. Acabou por esclarecer, já na ponta final, mas não em tempo muito útil. E eu quero voltar a isto, porque, como é óbvio, concordo com Louçã, e penso que este aspecto do seu programa é um belo exemplo de democracia e merece ser explorado, no sentido contrário ao pensamento capitalista de Sócrates.
O que são deduções fiscais? O que querem elas dizer? Dizem-nos o seguinte: "sim, nós, governantes, sabemos que a educação universal deve ser gratuita, bem como os cuidados generalizados de saúde. Também estamos conscientes que a atribuição de pensões dignas é uma obrigação do Estado. As referidas obrigações estatais estão consignadas na Lei e na Constituição da República, mas a verdade é que não comparticipamos como deveríamos, ou seja, contornamos a Lei e a Constituição, porque nada disto é realmente gratuito, e as pensões são miseráveis, tudo por causa da economia de mercado; é por isso que vos iludimos com a ideia de que ao aceitarmos deduzir as vossas despesas vos estamos a dar benesses. Não estamos a dar-vos nada, porque vocês, ó mulas, já descontaram todos os meses para a Segurança Social, e outros subsistemas de saúde, como a ADSE, ou para o IRS, e o IVA, e o IMI, e o Imposto Único de Circulação, e o camandro que a gente aqui inventa para vos esmifrar a carteira. O que estamos é a tentar devolver-vos uma percentagem do que é vosso, e apenas porque conseguimos daí tirar dividendos políticos, porque vocês, ó tansos, não fazem a menor ideia sobre como funciona a máquina fiscal."
É exactamente isto que nos estão a dizer de cada vez que nos aceitam, para efeitos de dedução no imposto que já nos cobraram, um recibo do médico especialista privado, porque, se tivéssemos de esperar pela consulta marcada no hospital, através do posto médico, demoraria, sejamos optimistas, 10 meses. Ora, ninguém deveria ter de esperar 10 meses por uma consulta médica, quando desconta todos os meses do seu ordenado para a Segurança Social.
Claro que a alternativa seria termos serviços de saúde e de educação verdadeiramente gratuitos, como noutros países da Europa. E isso seria mudar o hábito, alterando uma estrutura edificada sobre o erro. Mas é sempre mais difícil mudar. É preferível viver sobre o erro, alegando que o erro é o melhor dos males.