Banda sonora

Eu também não tinha nada para fazer ao domingo à tarde. Eu também vivia sozinha essas tardes tão tristes. Sim, sabia muito bem o que era passar o domingo sem ter um carinho. Sem amor era impossível viver. Mas era tudo uma questão de tempo, porque mais tarde ou mais cedo haveria de me aparecer um Gianni Morandi de falinhas mansas a convidar-me para sair ao Domingo à tarde, todos os fins-de-semana, e se eu já tivesse 17 anos, e tivesse boas notas, e o meu pai me deixasse... ai, a loucura que seria. A felicidade. Era uma canção toda escrita a pensar em mim. Certo, sabia que não era inteiramente para mim, mas senti-la como eu a sentia... haveria alguém capaz de sentir essa solidão, esse vazio como eu? Dificilmente.
O Nelson Ned poderia ser anãozinho, mas conhecia o amor e a solidão, como eu, sobretudo a última. E essa ideia levava a que me perdesse em cogitações marginais. Como seria a vida amorosa do anão brasileiro que cantava docemente, como um Sinatra? Passearia pela marginal do Rio de Janeiro rodeado de belezas de olhos verdes e raça indefinida, as quais lhe desvalorizariam o tamanho da perna em favor da beleza do canto? Os anões poderiam ser felizes? É que na nossa sociedade não eram lá muito. Mas se cantassem... Uma pessoa, cantando, safava-se sempre. Ou cantando ou praticando outra arte qualquer. Como o Malangatana, que pintava quadros, e as irmãs Jardim que não faziam nada mas saltavam de pára-quedas.
O Rui Bebiano, em A Terceira Noite, achou graça, no Caderno, a uma referência minha às músicas do Nelson Ned, que marcam o início dos anos 70, e a Angelus Novus, num raro momento de saudosismo, divulgou um dos temas mais famosos do deus da balada com sotaque do Brasil.Aproveitem para regalar os vossos ouvidos com a banda sonora dos meus 10 anos.

Mensagens populares