Queimar-me

Queimar-me, 2009 [foto obtida a partir de imagens televisivas]

O meu quotidiano tem girado muito à volta do livro. Antigamente, era casa, trabalho, cadelas. Agora, é casa, trabalho, cadelas, livro, e o blogue ressente-se. Peço desculpa pela injecção de postes versando o tema, mas isto tem sido a minha vida e não posso iludi-lo.

Fui entrevistada para o Ipsilon, do Público, e a jornalista perguntou-me por que tinha eu escolhido o formato autobiografia. Não soube responder bem a isto. A resposta ocorre-me agora. Estou como o George, personagem da série Seinfeld, num certo episódio em que só lhe ocorre a deixa certa, a deixa espirituosa ou fatal, muito tempo depois do confronto.

Não é novidade para ninguém que a instituição literária sempre encarou a literatura autobiográfica como um subgénero de terceira. De forma geral, todo o discurso na primeira pessoa padece desta distinção negativa: diários, memórias, epistolografia. Por outro lado, o que é absolutamente contraditório, alguma da melhor literatura que a espécie humana produziu assenta em pressupostos autobiográficos assumidos ou não, o que me parece bastante natural. Quem escreve tem de partir de um conhecimento pessoal e íntimo do mundo. E não é culpa sua que esse conhecimento possa ser reconhecido como universal.

Escolhi o formato autobiografia, e não a ficção, porque nada disto é ficção, porque não pretendia esconder-me atrás de um faz-de-conta. Escolhi a autobiografia porque este relato tinha tudo a ganhar com o enorme impacto da realidade. Escolhi a autobiografia porque em nenhum outro subgénero me sinto tão livre, tão próxima, tão intima. Escolhi, por último, a autobiografia porque esta seria sempre a melhor forma de me queimar, e porque queimar-me é praticamente tudo o que sei fazer.
Era isto que devia ter respondido, Alexandra. Desculpe lá não me ter ocorrido na altura.

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