Voyeuse

À minha volta, no café, um rapaz homossexual, nos seus vinte e tal, bonito, enérgico, narrava as injustiças e coscuvilhices do trabalho a um primo ou irmão, enquanto a mãe e avó escutavam sem intervir.
Na sua empresa não se respeita ninguém. Chamam-se as pessoas ao gabinete e diz-se-lhes, não precisamos mais de si, amanhã já não vem. Fizeram-no, esta semana a um senhor que lá trabalhava há 16 anos e realizava tarefas relacionadas com o serviço de fora, pagamento de contas, ctt, etc. Como puderam?!
A chefe ganha 2500 euros. Chama-se Cátia, e também ouvi o apelido, mas convém omitir. E ele repetia, 2500 euros, 2500 euros para estar ali sentada a despedir e a ser desagradável com toda a gente?! Deve fazer muito ioga a seguir. Concordo, absolutamente. Simpatizei com ele, com a sua indignação, a sua energia. Precisamos de muitos refilões laborais em Portugal, país claramente deficitário nesta área.
Ao fundo, um casal de senhores mais velhos. Ele, arranjado. Ela, uma Marilyn Monroe, mais loura que eu, acabada de sair do cabeleireiro com um penteado lindo, como gosto, meio despenteado. Ele fez-lhe uma festa na cara. Ela agarrou-lhe a mão, sorriu e evitou outras manifestações públicas de afecto.
Mais perto, a rapariga mais linda do mundo com o namorado. Loura escura, com os olhos azuis-escuros, a pele muito branca, e traços de rosto de um classicismo invulgar. Não conseguia desviar os olhos do seu rosto. Uma estátua de beleza. Uma estátua má, caprichosa, arrogante, implicando com o rapaz. Ele deu-lhe um beijo, tentando quebrá-la. Não conseguiu.
Talvez ser muito bonito não favoreça a formação do carácter. Fiquei pensativa. Ter tudo invalida a experiência de uma humanidade diversa? E os ricos, autorizados a nascer feios? Esses, por outro lado, podem formar o carácter pagando uma bela educação. Os príncipes fazem experiências de vida junto de populações carenciadas, ajudam a construir escolas e casas nas zonas rurais da Colômbia, carregando baldes de massa e pedra. Não sei se lhes faz bem. Ser bonito e rico, por esta lógica, seria o Inferno da desumanidade.
Muito perto de mim, um casal de trinta anos com uma filha muito querida. Ele, com ares de tuningue. Ela, com as mamas ao léu. Umas belíssimas mamas, note-se. Não tinha frio. Era feiazinha, mas com aquele aparato mamário quem é que reparava?! Tive de me controlar muito para não olhar exageradamente.
Olho muito. Estou sempre a olhar muito.
No Inverno a esplanada raramente funciona. Sinto a falta das meninas debaixo da mesa. Lá dentro é confortável, mas estou mais sozinha. Tenho saudades dos tempos em que nos deixavam levar os cães para dentro dos cafés. Toda a gente tinha a ganhar, porque os cães são a mais doce das companhias.

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