Sou sempre muito injusta com a minha mãe
A minha mãe é sibilina e pessimista. Irrita-me ouvi-la enumerar impossibilidades, descrer de tudo e preparar-se para o pior. Irrito-me e estrebucho. Acuso-a de ser incapaz de ver beleza nas coisas, nas pessoas, no mundo. Acuso-a de não entender a beleza do voo de um pássaro, de saber apenas dizer-me se a sua carne é comestível. E no entanto, conforme os anos vão passando, descubro que na sua concepção tão escatológica da vida, tem muitas vezes razão; não temos ninguém. Não temos de facto ninguém. Estamos tão sós como na barriga da nossa mãe, e aqueles que têm sorte, têm-na pela vida fora, velhinha, sibilina, crítica impiedosa, mas têm-na para sempre.