Um negro bem vestido
No Minipreço, à hora de fecho.
Hoje é domingo, e vesti o meu melhor fato, bem escovado e passado a ferro. Engraxei os sapatos até brilharem, pus chapéu e calcei luvas, como príncipe branco de um filme americano. E ela pensa que me vou calar?! Não está a ver o meu fato, não percebe que não sou qualquer um, que sou uma pessoa importante?! Pensa que me passa a perna porque sou negro?!
- Ouça lá, por que é que o meu cartão não dá? Os cartões das outras pessoas da fila, todos deram, e o meu não dá, porquê?
- Oh, senhor, e eu é que sei!? Não está a aceitar. Está a ver aqui?!
Valha-me Deus, o raio do homem, deu-lhe para me chatear. Metem os cartões em todo o lado e depois esperam que funcionem.
- O senhor tem de esperar um bocadinho, se faz favor.
Mas ela pensa que me engana? Que me dá a volta? A escravatura acabou. A humilhação acabou. O racismo acabou. Vai ver…
- Desculpe, mas não dá. Está a ver?! Não dá. Tem de pagar a dinheiro.
- Não pago a dinheiro. O cartão está bom. Ainda há bocado levantei. Ponha lá outra vez.
- Eu não posso fazer isso. O senhor já viu a quantidade de pessoas que está na fila desta caixa? Hoje estou sozinha com o meu colega, que devia estar a repor latas nas prateleiras. Não posso estar à espera. Não quer ir lá fora levantar ao multibanco? Se tem dinheiro na carteira, são nove euros e trinta e...
- Não vou lá fora, não. Não dá porque você é uma racista. O cartão do preto nunca dá para nada. É racista. Não pense que me engana. Tem de dar. Meta lá o cartão.
Ai, meu Deus, o homem é maluco! Estou bem lixada, hoje.
- Oh, Carlos, estou aqui com um problema… o teu multibanco está a dar? É que o meu não aceita o cartão de um cliente... Ok, vou tentar mais uma vez.
Isto não vai dar. Sai-me cada um. Esta porcaria deve estar desmagnetizada.
- Olhe, senhor, vou tentar de novo, mas se não der tem de pagar a dinheiro ou então deixa as coisas.
- Racismo em todo o lado. Quer que diga mais alto? Racismo! O cartão está bom. Tem de dar. Passe o cartão e faça tudo bem, como deve de ser. Os pretos também têm cartão, também compram nas lojas...
- Estou a fazer tudo bem. Já lhe mostrei a mensagem que a máquina devolve… O senhor deve ter o cartão desmagnetizado. Tem de ir ao seu banco queixar-se.
- Vocês pensam que humilham os pretos. Vocês querem humilhar os pretos. Comigo, não.
- Há muita gente na fila à espera. É melhor o senhor pagar de outra forma.
- Racistas.... Vocês comem todos do mesmo prato. Pensam que ainda mandam. Que branco é branco, branco, branco. Em mim ninguém manda.
- Afinal, como é, o senhor vai pagar ou anulo o que registei?
- Tome lá, sua racista de merda. Ainda há bocado levantei esse dinheiro com este cartão. Não dá porque você é uma merda.
Não responder, Maria Luísa, não responder que o homem é doido. Quero lá saber que seja preto. É que me estou mesmo nas tintas. Grande paranóia. Grande moca. Olhem-me este, bolas. Tomates do meu tio!
- Carlos, viste esta fita? Viste a forma como ele olhou para mim enquanto se ia embora? Se pudesse, matava-me com o olhar Que eu sou racista, porque o multibanco não lhe aceitou o cartão... Já viste?! Que ódio, meu Deus! Que mal é que eu lhe fiz? Isto, de vez em quando aparece aqui cada um um. Conheces este gajo cá da loja?
Hoje é domingo, e vesti o meu melhor fato, bem escovado e passado a ferro. Engraxei os sapatos até brilharem, pus chapéu e calcei luvas, como príncipe branco de um filme americano. E ela pensa que me vou calar?! Não está a ver o meu fato, não percebe que não sou qualquer um, que sou uma pessoa importante?! Pensa que me passa a perna porque sou negro?!
- Ouça lá, por que é que o meu cartão não dá? Os cartões das outras pessoas da fila, todos deram, e o meu não dá, porquê?
- Oh, senhor, e eu é que sei!? Não está a aceitar. Está a ver aqui?!
Valha-me Deus, o raio do homem, deu-lhe para me chatear. Metem os cartões em todo o lado e depois esperam que funcionem.
- O senhor tem de esperar um bocadinho, se faz favor.
Mas ela pensa que me engana? Que me dá a volta? A escravatura acabou. A humilhação acabou. O racismo acabou. Vai ver…
- Desculpe, mas não dá. Está a ver?! Não dá. Tem de pagar a dinheiro.
- Não pago a dinheiro. O cartão está bom. Ainda há bocado levantei. Ponha lá outra vez.
- Eu não posso fazer isso. O senhor já viu a quantidade de pessoas que está na fila desta caixa? Hoje estou sozinha com o meu colega, que devia estar a repor latas nas prateleiras. Não posso estar à espera. Não quer ir lá fora levantar ao multibanco? Se tem dinheiro na carteira, são nove euros e trinta e...
- Não vou lá fora, não. Não dá porque você é uma racista. O cartão do preto nunca dá para nada. É racista. Não pense que me engana. Tem de dar. Meta lá o cartão.
Ai, meu Deus, o homem é maluco! Estou bem lixada, hoje.
- Oh, Carlos, estou aqui com um problema… o teu multibanco está a dar? É que o meu não aceita o cartão de um cliente... Ok, vou tentar mais uma vez.
Isto não vai dar. Sai-me cada um. Esta porcaria deve estar desmagnetizada.
- Olhe, senhor, vou tentar de novo, mas se não der tem de pagar a dinheiro ou então deixa as coisas.
- Racismo em todo o lado. Quer que diga mais alto? Racismo! O cartão está bom. Tem de dar. Passe o cartão e faça tudo bem, como deve de ser. Os pretos também têm cartão, também compram nas lojas...
- Estou a fazer tudo bem. Já lhe mostrei a mensagem que a máquina devolve… O senhor deve ter o cartão desmagnetizado. Tem de ir ao seu banco queixar-se.
- Vocês pensam que humilham os pretos. Vocês querem humilhar os pretos. Comigo, não.
- Há muita gente na fila à espera. É melhor o senhor pagar de outra forma.
- Racistas.... Vocês comem todos do mesmo prato. Pensam que ainda mandam. Que branco é branco, branco, branco. Em mim ninguém manda.
- Afinal, como é, o senhor vai pagar ou anulo o que registei?
- Tome lá, sua racista de merda. Ainda há bocado levantei esse dinheiro com este cartão. Não dá porque você é uma merda.
Não responder, Maria Luísa, não responder que o homem é doido. Quero lá saber que seja preto. É que me estou mesmo nas tintas. Grande paranóia. Grande moca. Olhem-me este, bolas. Tomates do meu tio!
- Carlos, viste esta fita? Viste a forma como ele olhou para mim enquanto se ia embora? Se pudesse, matava-me com o olhar Que eu sou racista, porque o multibanco não lhe aceitou o cartão... Já viste?! Que ódio, meu Deus! Que mal é que eu lhe fiz? Isto, de vez em quando aparece aqui cada um um. Conheces este gajo cá da loja?