Pedras

Tiveste sorte. Ontem não te escrevi. Não fui bater à tua porta. Não te persegui quando saíste, insultando-te pelas ruas; uma desvairada que te persegue, amaldiçoa, cobarde, mole, vêem, este, julga-se grande, normal, julga que vale, que é um senhor, que havia de ser homem como eu sou uma mulher. Este nada. Perseguir-te pelas ruas, gritando aos teus ouvidos as injúrias justas, verdadeiras, envergonhando-te, mais do que envergonhando-me, porque já não pertenço à vergonha. Mas, ontem, meu caro, safaste-te à grande. Não marquei o teu número de telefone. Não estava postada à saída do teu trabalho. Nem fui sequer ao teu bairro, que sorte a tua. Não viste o meu rosto que te é tão querido, nem o meu corpo, língua da tua boca. Foi sorte, porque tinha combinado jantar no centro comercial com uns amigos, enxuguei os olhos, lavei a cara, e toda a noite falei e ri com o corpo pesado das tuas pedras.

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