O lado negro de tudo

Se calhar este ano vão começar as obras na minha escola.
Ah, é? Vão ter as aulas onde?
Acho que em pré-fabricados. Mas não é a escola toda. É por fases. Por pavilhões. A minha preocupação é o tanque da tartarugas e dos peixinhos. Temos um jardim interior muito bonito, no pavilhão da biblioteca, onde está o tal tanque. As tartarugas e os peixes são enormes; todos gordos e lindos. Havias de ver as tartarugas a comer: o funcionário coloca a comida sobre um madeiro grande, que flutua no tanque, e elas conseguem subir para lhe chegarem. A minha preocupação é onde vão pôr as tartarugas e os peixinhos enquanto decorrerem as obras.
Olha, ontem apareceram muitas tartarugas mortas no Algarve - grandes que eu sei lá! Não percebem como é que foram lá parar.
Silêncio.
E não sei onde, também deram à costa dezenas de baleias mortas.
Mãe, tens a certeza que não morreu mais nenhum animal?
Não morreu mais nenhum animal?!
Falo-te de animais dos quais gosto ou com os quais me preocupo, e tu parece que gostas de me apresentar relatórios de animais mortos. Tens essa forma negativa de ver a vida. Essa mania de destacar o lado pior. Esse pessimismo. Sabes bem que detesto que me descrevas esse tipo de coisas. Isso faz-me sofrer, mãe.
Esqueço-me que tens pena dos animais, o que é que queres?!
É melhor mudar de conversa. Uma coisa que tenho andado para te perguntar: como é que se chamava aquela praia perto de Lourenço Marques, onde íamos ao domingo e havia macacos, muitos macacos, por todo o lado, a saltar de árvore em árvore, mesmo pertinho de nós? Era Macaneta? Inhaca? Era uma praia que ficava numa estrada de terra quando se ia até ao final da Costa do Sol, e se seguia em frente, sempre para cima, ou era preciso apanhar o batelão ou o barco? Lembras-te disso?
Lembro-me dos macacos, mas não sei onde era. Acho que era preciso apanhar o batelão. Havia macacos por todo o lado, havia. Os pretos matavam-nos, esfolavam-nos e comiam-nos.

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